South America

EUA escalam a mesma velha guerra ‘democrática’ pelo petróleo na Ásia Ocidental*

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55/1/2020, Michael Hudson, para o Saker Blog

“Loucura, sim, mas há método nessa loucura”
Polônio, Hamlet, Cena II, Ato II

“Os estrategistas norte-americanos gostariam de fazer à Europa e à Ásia Ocidental exatamente o que fizeram à Rússia de Yeltsin: entregar a infraestrutura pública, os recursos naturais e o sistema bancário a proprietários americanos, confiando no crédito em EUA-dólares para financiar os gastos governamentais domésticos e investimentos privados. Trata-se basicamente de apropriação de recursos. Soleimani estava na mesma posição que Allende do Chile, Qaddafi da Líbia, Saddam do Iraque. 
O lema é sempre o mesmo ‘assassine Marielle/Soleimani, q o problema some’”.

Saker entrevista Michael Hudson para Unz Review
excerto aqui ligeiramente editado (orig. ing. com tradução automática na página do Saker)
[epígrafes acrescentadas pelos tradutores]___________________________________________________

A grande mídia tem evitado atentamente discutir o método por trás da aparente loucura dos norte-americanos ao assassinar o general da Guarda Revolucionária Islâmica Qassim Suleimani, para começar o Ano Novo. A lógica por trás do assassinato foi mais uma aplicação da política global de longa data, dos EUA; absolutamente não se trata de mera peculiaridade da personalidade impulsiva de Donald Trump. 

Ao assassinar o líder militar iraniano Suleimani, Trump cometeu ato de guerra unilateral que viola o direito internacional, mas mesmo assim o crime foi passo lógico na mesma estratégia que os EUA seguem há muito tempo. E Trump fez o que fez depois de ser explicitamente autorizado a tal, pelo Senado, quando aprovou a lei de financiamento ao Pentágono, no ano passado.

O assassinato realmente visava a aumentar a presença dos EUA no Iraque, para manter o controle sobre as reservas de petróleo da região e apoiar as tropas wahabistas da Arábia Saudita (ISIS, Al Qaeda no Iraque, Al Nusra e outras divisões do que, na verdade, é a Legião Estrangeira dos EUA) para apoiar o controle pelos EUA sobre o petróleo da Ásia Ocidental, como andaime para manter ereto o dólar dos EUA. Essa continua a ser a chave para entender essa política e por que ela está em processo de escalada, não de redução.

Participei de discussões sobre essa política, tal como foi formulada há quase 50 anos, quando trabalhei no Instituto Hudson e participei de reuniões na Casa Branca e encontrei generais em vários think tanks das forças armadas e diplomatas na ONU. Eu ali estava como economista especialista em balança de pagamentos, com uma década de especialização no Chase Manhattan, Arthur Andersen e em empresas de petróleo na indústria de petróleo e gastos militares. Essas foram duas das três principais dinâmicas da política externa e da diplomacia americanas. (A terceira preocupação dos EUA era como levar adiante uma guerra numa democracia cujos eleitores, depois da Guerra do Vietnã, passaram a rejeitar o alistamento militar.)

A mídia e a discussão pública desviaram as atenções para longe dessa estratégia, ao disseminar especulações de que o presidente Trump teria feito isso ou aquilo, acenando com a versão de que estaria empenhado num ataque de tipo rabo que abana cachorro, para escapar de uma tal NENHUMA ameaça de impeachment; ou, então, para apoiar os ímpetos pró Lebensraum de Israel; ou simplesmente para entregar a Casa Branca à síndrome de ódio ao Irã dos neoconservadores. 

Mas o verdadeiro contexto da ação real dos neoconservadores sempre foi preservar o atual equilíbrio (precário) da balança de pagamentos e o papel do petróleo e da energia como alavanca de longo prazo da diplomacia americana.

A dimensão da balança de pagamentos

O principal déficit na balança de pagamentos dos EUA continua a ser o gasto militar no exterior.

Esse déficit na balança de pagamentos, desde que começou, na Guerra da Coréia em 1950-51, estendendo-se pela Guerra do Vietnã da década de 1960, é a causa de o dólar ter-se retirado do padrão-ouro, 1971. O problema enfrentado pelos estrategistas militares dos EUA era como continuar a garantir apoio às 800 bases militares dos EUA em todo o mundo e a tropas aliadas, sem perder a alavancagem financeira para os EUA.

A solução acabou por ser substituir o ouro, por títulos do Tesouro dos EUA (que são promissórias, ing. IOUs) como base das reservas estrangeiras do banco central. Depois de 1971, os bancos centrais estrangeiros tiveram pouca opção quanto a o que fazer com a entrada contínua de dólares nas respectivas economias, exceto reciclá-los para a economia dos EUA, comprando títulos do Tesouro dos EUA.

O efeito dos gastos militares dos EUA no estrangeiro, portanto, não prejudicou a taxa de câmbio do dólar e nem forçou o Tesouro e o Federal Reserve a aumentar as taxas de juros para atrair divisas para compensar os dólares que continuaram a sair pelas contas militares. De fato, os gastos militares dos EUA em outros países ajudaram a financiar o déficit no orçamento federal dos EUA.

A Arábia Saudita e outros países da OPEP, na Ásia Ocidental, rapidamente se tornaram pilares do dólar. Depois que esses países quadruplicaram o preço do petróleo (em retaliação por os EUA terem quadruplicado o preço dos grãos que exportam, e um dos pilares da balança comercial dos EUA), os bancos americanos foram inundados por muitos depósitos estrangeiros – dinheiro emprestado a países do 3º Mundo, numa coleção de empréstimos ruins que explodiram em 1972 com a insolvência do México e destruíram por uma década o crédito dos governos do 3º Mundo, forçando aqueles governos a depender dos EUA via FMI e Banco Mundial.

Para arrematar, é claro, o que a Arábia Saudita não poupa em ativos dolarizados; mas gasta, isso sim, tudo que ganha na exportação de petróleo, para comprar centenas de bilhões de dólares em armas exportadas dos EUA. Isso os mantém dependentes dos EUA para fornecimento de peças de reposição e reparos; e permite que os EUA desliguem e incapacitem o equipamento militar saudita a qualquer momento, no caso de os sauditas tentarem agir independentemente da política externa dos EUA.

Portanto, manter o dólar como moeda de reserva mundial passou a ser o principal alicerce dos gastos militares dos EUA. Os países estrangeiros não precisam pagar por essas despesas diretamente ao Pentágono. Basta que simplesmente financiem o Tesouro e o sistema bancário dos EUA.

O medo desse desenvolvimento foi uma das principais razões pelas quais os EUA moveram-se contra a Líbia, cujas reservas estrangeiras eram mantidas em ouro, não em dólares, o que levou outros países africanos a seguir o exemplo dos líbios, na luta para se libertarem da “Diplomacia do Dólar”. 

Hillary e Obama invadiram a Líbia, passaram a mão no ouro líbio (ainda não se tem ideia de quem ficou com aqueles bilhões de dólares em ouro) e destruíram a Líbia, o estado líbio, seu sistema público de educação, sua infraestrutura pública e outras políticas não neoliberais.

A grande ameaça que paira contra esse status quo ainda inabalável é a desdolarização, pois China, Rússia e outros países procuram evitar a reciclagem de dólares. Se o dólar perder sua função de veículo para as poupanças mundiais – com efeito, se o Pentágono perder sua razão de ser, no serviço de criar a dívida do Tesouro, veículo para as reservas dos bancos centrais mundiais –, os EUA ver-se-ão militarmente contidos e, portanto, contidos também diplomaticamente, como os EUA estiveram contidos enquanto o ouro foi padrão de troca.

É a mesma estratégia que os EUA seguiram na Síria e no Iraque. O Irã estava ameaçando essa estratégia de dolarização e os fundamentos de sustentação da diplomacia norte-americana do petróleo.

A indústria do petróleo como sustentação da balança de pagamentos dos EUA e de sua política exterior

A balança comercial é sustentada por excedentes do petróleo e da agricultura. O petróleo é a chave, porque é importado pelas empresas americanas quase sem custo para o equilíbrio dos pagamentos (os pagamentos terminam na sede do setor de petróleo cá nos EUA, como lucros e pagamentos a gerentes e administradores), enquanto os lucros nas vendas das empresas petrolíferas dos EUA a outros os países são já há muitos anos remetidos para os EUA (por meio de centros de evasão fiscal offshore, principalmente Libéria e Panamá). E, como observado acima, os países da OPEP foram instruídos a manter suas reservas oficiais na forma de títulos dos EUA (ações e títulos, bem como promissórias do Tesouro, mas não foram liberados para a compra direta de empresas dos EUA consideradas economicamente importantes). Financeiramente, os países da OPEP são estados-clientes da Área do Dólar.

A tentativa americana para manter esse contraforte explica a oposição dos EUA a quaisquer medidas de qualquer governo estrangeiro para reverter o aquecimento global e o clima extremo causado pela dependência do petróleo patrocinada pelos EUA no mundo. Qualquer ação da Europa e de outros países reduziria a dependência das vendas de petróleo dos EUA e, portanto, reduziria a capacidade dos EUA para controlar a torneira global de petróleo, como um meio de controle e coerção; por isso são vistos como atos hostis.

O petróleo também explica a oposição dos EUA às exportações de petróleo da Rússia via oleoduto Ramo Norte. Os estrategistas dos EUA querem tratar a energia como monopólio nacional dos EUA. Outros países podem beneficiar-se como fez a Arábia Saudita – enviando seus superávits para a economia dos EUA –, mas não para apoiar seu próprio crescimento econômico e diplomacia. O controle do petróleo implica, portanto, apoio ao aquecimento global contínuo como parte inerente da estratégia dos EUA.

Como uma nação “democrática” pode promover terrorismo internacional e guerras sem fim

A Guerra do Vietnã mostrou que as democracias modernas não conseguem montar exércitos para nenhum grande conflito militar, porque isso exigiria alistamento militar dos próprios cidadãos. E governo que exige alistamento para guerras não se elege. E sem soldados não é possível invadir um país e depois tomá-lo e ocupá-lo.

O corolário dessa percepção é que as democracias só têm duas opções, quando se trata de estratégia militar: ou empregam poder aéreo que bombardeie, de longe, o inimigo; ou criam uma Legião Estrangeira, vale dizer, contratam mercenários ou pagam governos de outros países que prestem esse serviço militar em solo.

Aqui, mais uma vez, a Arábia Saudita desempenha papel crucial, mediante o controle dos sunitas vaabitas transformados em jihadistas terroristas dispostos a sabotar, bombardear, assassinar, explodir e combater qualquer alvo designado como inimigo do “Islã” – forma eufemística que designa a Arábia Saudita na função de estado-cliente dos EUA.

A religião de fato não é a chave. Basta ver que não há notícia de ataque pelo ISIS ou pelos wahabistas e assemelhados, contra alvos israelenses.

Os EUA precisam dos sauditas para manter fornecimento ininterrupto de homens, ou para pagar pelos serviços de loucos wahabistas. Portanto, além de desempenhar papel fundamental na balança de pagamentos dos EUA, reciclando seus ganhos com a exportação de petróleo para ações, títulos e outros investimentos, a Arábia Saudita também fornece mão de obra ao apoiar os membros wahabistas da Legião Estrangeira dos EUA, ISIS e Al-Nusra/Al Qaeda.

Hoje, o terrorismo já é a via “democrática” da política militar dos EUA.

O que torna “democrática”‘ a guerra do petróleo que os EUA fazem na Ásia Ocidental é que esse é o único tipo de guerra que as democracias podem guerrear – guerra aérea, acompanhada em solo por um exército terrorista cruel, para compensar o fato de que nenhuma democracia consegue pôr o próprio povo (eleitores!) para morrer em campo, em guerra por mais lucros para bem poucos, no mundo de hoje.

Assim aconteceu que o terrorismo tornou-se uma modalidade “democrática” de guerra.

Do ponto de vista dos EUA, o que é uma “democracia”?

No vocabulário orwelliano de hoje, “democracia” é qualquer país, ditadura e estado criminoso que apoie a política externa dos EUA.  Bolívia e Honduras tornaram-se “democracias” a partir dos respectivos golpes de estado. O mesmo aconteceu ao Brasil. O Chile de Pinochet era democracia de livre mercado à moda Chicago. O mesmo aconteceu com o Irã sob o xá e com a Rússia de Yeltsin.

Mas tudo mudou a partir do momento em que os russos elegeram o presidente Vladimir Putin, e os chineses, o presidente Xi Jinping.

“Estado terrorista” é antônimo perfeito de “estado democrático”. Mas para os EUA “Estado terrorista” é qualquer nação disposta a lutar para se tornar independente da democracia neoliberal dos EUA. Ficam de fora da definição os exércitos que lutam por procuração a favor dos EUA – e contra os próprios cidadãos.

O papel do Irã como inimigo mortal dos EUA neoconservadores

O que impede a dolarização dos EUA e opera como obstáculo à estratégia militar do petróleo? Obviamente, a Rússia e a China tem sido alvo, como inimigos estratégicos de longo prazo, por buscarem suas próprias políticas econômicas e diplomacia independentes. Sim, mas… O Irã está na mira dos EUA há quase setenta anos! 

O ódio americano ao Irã começa com a primeira tentativa dos EUA para controlar a produção, as exportações e ganhos do Irã com o próprio petróleo. Isso remonta a 1953, quando Mossadegh foi derrubado, porque buscava a soberania doméstica sobre o petróleo anglo-persa.

Um golpe da CIA-MI6 trocou Mossadegh pelo flexível Xá, que impôs um estado policial para impedir que os iranianos construíssem política independente da política dos EUA. Só as mesquitas mantiveram-se como espaços físicos livres dos controles e impenetráveis para os espiões. Isso fez da República Islâmica o caminho de menor resistência contra a derrubada do xá e pela reafirmação da soberania iraniana.

Os EUA chegaram a alguma espécie de acordo com a nova situação de independência do petróleo da OPEP em 1974, mas o antagonismo em relação ao Irã inclui questões também demográficas e religiosas.

O apoio iraniano à sua população xiita e ao Iraque e outros países – enfatizando o apoio aos pobres e às políticas que podem ser classificadas como socialistas, em oposição ao neoliberalismo – tornou os iranianos o principal rival religioso do sectarismo sunita da Arábia Saudita; consequentemente, rival também do papel da Arábia Saudita como Legião Estrangeira wahhabista, dos EUA.

EUA sempre se opuseram ao general Suleimani, sobretudo porque o general combatia o ISIS e outros terroristas apoiados pelos EUA que lá estavam para tentar partir a Síria em pedaços e substituir o regime de Assad por um conjunto de líderes locais que obedecessem aos EUA – o velho estratagema britânico de “dividir e conquistar”. 

Em contexto de relações políticas diferentes, Suleimani já havia cooperado com as tropas norte-americanas na luta contra grupos do ISIS que “saíram da linha”, vale dizer, que deixaram de seguir a linha do partido dos EUA. Mas todas as indicações, hoje, são de que o general estava no Iraque a serviço do governo do Irã, que também trabalhava para que os EUA recuperassem o controle dos campos de petróleo que o presidente Trump tanto se gabava de ainda manter, mas já não mantinha.

Já no início de 2018, o presidente Trump exigiu do Iraque que reembolsasse os EUA pelo custo de “salvar sua democracia” – o que os EUA alegavam ter feito ao bombardear o que restava da economia de Saddam. O reembolso foi feito sob a forma de petróleo iraquiano. Mais recentemente, em 2019, o presidente Trump perguntou-se: por que não poderia simplesmente passar a mão no o petróleo iraquiano?! O gigantesco campo petrolífero havia sido convertido em butim a saquear, na guerra do petróleo de Bush-Cheney após o 11 de setembro.

“‘Tudo estava andando como qualquer reunião rotineira’ – disse a Axios uma fonte que estava na sala, em março de 2017. Até que, no final, Trump diz algo ‘diferente’, com um sorriso de canto de boca: ‘E então? O que vamos fazer quanto ao petróleo?’” 

A ideia de Trump de que os EUA teriam pleno direito de “obter algo” em troca de seus gastos militares para destruir as economias iraquiana e síria reflete simplesmente a política dos EUA.

No final de outubro de 2018, o New York Times informou que: “Nos últimos dias, Trump fixou-se nas reservas de petróleo da Síria como uma nova lógica para fazer parecer que muda de curso e conseguir enviar centenas de tropas adicionais para o país devastado pela guerra. Trump declarou que os EUA “garantem proteção” aos campos de petróleo no caótico nordeste do país e sugeriu que tomar para os EUA o principal recurso natural do país justifica que os EUA ampliem ainda mais sua presença militar na Síria. ‘Tomamos e cercamos com segurança’ – disse Trump sobre o petróleo da Síria, em sessão com a imprensa na Casa Branca no domingo, depois de anunciar o assassinato do líder do Estado Islâmico, Abu Bakr al-Baghdadi.” Um funcionário da CIA lembrou o jornalista que tomar o petróleo do Iraque fora promessa da campanha de Trump.

Isso explica a invasão do Iraque por petróleo em 2003, e novamente em 2020, como o presidente Trump disse: “Por que simplesmente não tomamos o petróleo deles?” 

Também explica o ataque Obama-Hillary à Líbia – não apenas pelo petróleo , mas porque Gaddafi investia suas reservas estrangeiras em ouro, em vez de reciclar a receita excedente de petróleo em papéis do Tesouro dos EUA. – E também, claro, porque Gaddafi provia na Líbia um estado socialista secular.

E explica o motivo pelo qual os neoconservadores dos EUA tanto temiam o plano de Suleimani de ajudar o Iraque a controlar o petróleo e a resistir aos ataques terroristas apoiados pelos EUA e pela Arábia Saudita no Iraque. Esses movimentos diplomáticos do general Suleimani tornaram urgente assassiná-lo.

Os políticos (Democratas) norte-americanos expõem-se eles mesmo à vergonha universal, ao iniciar seus discursos de ‘condenação de Trump’, como Elizabeth Warren, com longos parágrafos contra o general Suleimani, sobre o quanto o general Suleimani seria “homem do mal”, que matou soldados norte-americanos, que planejava a defesa iraquiana de bombardeios nas estradas e outras políticas (com as quais o general lutava contra a invasão pelos EUA, que chegavam para pegar o petróleo do Irã!). Warren simplesmente papagueava o que disse sobre Suleimani a mídia americana. 

Warren fez exatamente o mesmo que a mídia fez nos EUA, apresentando Suleimani como um monstro, para assim desviar a atenção dos eleitores para bem longe da questão política – e da bandeira que unifica, não divide, Republicanos e Democratas, e há muitos anos – e que explica por que o general Suleimani foi assassinado agora .

A contraestratégia do petróleo e da diplomacia do “dólar e aquecimento global” dos EUA

Essa estratégia dos EUA persistirá, até que países estrangeiros a rejeitem.

Se Europa e outras regiões não rejeitarem a estratégia dos EUA, serão os primeiros a sofrer as consequências – que virão como guerra cada vez mais ampla, patrocinada pelos EUA, com terroristas norte-americanos e com tsunamis de refugiados, e com aquecimento global acelerado e condições climáticas extremas – que são desgraças buscadas, não combatidas, pelas políticas dos EUA.

Rússia, China e seus aliados já lideram o caminho da desdolarização como via para abalar os alicerces do equilíbrio da balança de pagamentos nos EUA concebido para garantir apoio à política militar global dos EUA. Mas hoje já todo mundo especula sobre qual deva ser a resposta do Irã.

A encenação – ou mais precisamente, a burla, a fraude – que a mídia norte-americana ofereceu no fim de semana incluiu falar dos EUA como se o país estivesse sob ataque iminente. O prefeito de Blasio [de New York, do Partido Democrata] distribuiu policiais em cruzamentos importantes da cidade, para nos ‘informar’ de o quão iminente seria o terrorismo iraniano – como se tivesse sido o Irã, não a Arábia Saudita, quem montou o 11 de setembro; e como se o Irã tivesse realmente praticado qualquer ação contra os EUA. E as organizações de jornal, rádio e TV e todos os ‘analistas’ de TV saturaram todo o campo das ‘comunicações’ com ‘análises’ do “terrorismo islâmico”. Há torsos falantes nas telas de TV que ‘noticiam’ até os locais exatos onde os ataques provavelmente ocorrerão.

A mensagem é que o assassinato do general Soleimani foi ação benéfica, para nos proteger. Como Donald Trump e vários porta-vozes militares disseram, o homem matou norte-americanos e, agora, outros iranianos planejam um ataque enorme que ferirá e matará muitos outros americanos inocentes. 

Essa postura é hoje o modo como os EUA querem ser vistos pelo mundo: como país de fracos, ameaçados por todos os lados, ameaças que exigiriam forte defesa – na forma de forte ataque.

E qual é o interesse real do Irã?

Se os iranianos visam a minar realmente a estratégia do dólar & petróleo, a primeira meta a buscar deve ser a retirada total, da Ásia Ocidental, das forças militares dos EUA, incluindo o fim da ocupação americana de seus campos de petróleo. Se se trata disso, o Irã está hoje mais próximo de alcançar esses objetivos do que antes do ato precipitado pelo presidente Trump. 

O assassinato do comandante Soleimani operou como catalisador e empurrou todo o quadro em direção a efeito exatamente oposto ao que Trump queria.

Em 5 de janeiro, o Parlamento iraquiano reuniu-se para insistir que os EUA saíssem. O general Suleimani era convidado ao país, não alguma espécie de invasor iraniano. As tropas dos EUA, essas sim, violam o Direito Internacional, com sua presença no Iraque. Mas, se partirem, Trump e os neoconservadores perdem o controle sobre o petróleo – e também a capacidade para intrometer-se na frente iraniano-iraquiana-síria-libanesa de defesa mútua.

Por trás do Iraque assoma a  Arábia Saudita, esse Grande Satanás, defensor do extremismo wahhabista, a Legião Terrorista dos exércitos mercenários dos EUA que lutam para manter o controle sobre todas as reservas de petróleo e sobre o câmbio em toda a Ásia Ocidental, a causa do grande êxodo de refugiados para a Turquia, Europa e para onde consigam chegar, fugindo das armas e dinheiro fornecidos pelos apoiadores americanos de ISIS, Al Qaeda no Iraque e suas legiões sauditas wahabistas aliadas.

O ideal lógico, em princípio, seria destruir o poder saudita, poder que está em seus campos de petróleo. Os sauditas já foram atacados por modestas bombas iemenitas. Se os neoconservadores americanos ameaçarem seriamente o Irã, a resposta iraniana seria bombardear e destruir, no atacado, os campos de petróleo sauditas, assim como os do Kuwait e xeicados aliados dos sauditas na Ásia Ocidental. Assim se poria fim ao apoio que os sauditas garantem aos terroristas wahabistas – e ao EUA-dólar.

Esse ato, sem dúvida alguma, seria coordenado com um apelo para que os trabalhadores palestinos e outros trabalhadores estrangeiros na Arábia Saudita levantem e expulsem a monarquia e os milhares de familiares dos monarcas.

Além da Arábia Saudita, o Irã e outros defensores de uma ruptura diplomática multilateral q os afaste do unilateralismo neoliberal e neoconservador dos EUA devem pressionar a Europa para que se retire da OTAN, dado que essa organização funciona principalmente como ferramenta militar centrada na diplomacia do dólar e do petróleo dos EUA e, portanto, opõe-se às políticas que resistem contra a mudança climática e a guerra, que ameaçam jogar a Europa no mesmo turbilhão que ameaça destruir os EUA.

Por fim, o que os militantes norte-americanos pela paz e contra a guerra inventada pelos EUA podem fazer para resistir contra a tentativa dos neoconservadores para destruir qualquer parte do mundo que ofereça resistência contra a autocracia neoliberal dos EUA?

Essa foi a resposta mais decepcionante de todo o fim de semana. Os Democratas estão brigando entre eles!

De nada serviu à [senadora Democrata por Massachusetts Elizabeth] Warren, ou ao [prefeito Democrata de South Bend, Indiana, Pete] Buttigieg e a outros porem-se a acusar Trump de agir precipitadamente, sem pensar nas consequências de suas ações. Essa abordagem é péssima, porque também trabalha para ocultar que as ações de Trump sempre tiveram clara motivação! 

Por que os Democratas não riscam uma linha na areia e dizem que, sim, sim, os EUA entrarão em guerra, lutarão contra o Irã, matarão e morrerão e farão qualquer coisa para defender o controle que têm sobre o petróleo da Ásia Ocidental e para ditar a política do banco central da OPEP?! Que os EUA tudo farão para defender seus legionários que lutam sob a ‘griffe’ do ISIS, que lutarão como se qualquer oposição a essa política fosse ataque direto aos próprios EUA.

Posso entender a resposta emocional ou novos pedidos de impeachment de Donald Trump. Mas essa via é obviamente beco sem saída, em parte porque obviamente é movimento partidário [eleitoreiro!] dos Democratas. Ainda pior que isso, é os Democratas envolverem-se na acusação mentirosa e egoísta de que o presidente Trump teria ultrapassado um limite constitucional ao cometer um ato de guerra contra o Irã e assassinar Soleimani. Essa acusação é mentirosa.

O Congresso dos EUA endossou o assassinato que Trump cometeu e é absolutamente, indiscutivelmente culpado desse crime, porque aprovou a remoção, pelo Senado, da emenda à Lei de Autorização de Defesa Nacional de 2019 (“Orçamento do Pentágono”) que Bernie Sanders, Tom Udall e Ro Khanna inseriram, no projeto de lei que a Câmara de Representantes apreciou e que explicitamente proibiria o Pentágono de fazer guerra contra o Irã e de assassinar funcionários do Irã.

Quando esse orçamento foi enviado ao Senado, a Casa Branca e o Pentágono (também conhecido como “os neoconservadores” e “o complexo militar-industrial) removeram aquela restrição.

Foi como hastear a bandeira da guerra, anunciando que o Pentágono e a Casa Branca realmente pretendiam ir à guerra contra o Irã e/ou assassinar autoridades iranianas. Faltou ao Congresso dos EUA coragem para pôr essa questão crucial, à frente da discussão pública.

Por trás de tudo isso está o ato de 11 de setembro inspirado pela Arábia Saudita, que retirou do Congresso o monopólio do poder para declarar guerra – a Autorização para o Uso da Força Militar, de 2002, tirada da gaveta ostensivamente contra a Al-Qaeda, mas que foi, na verdade, o primeiro passo no longo apoio que os EUA continuam a garantir ao grupo responsável pelo 11 de setembro – sequestradores sauditas de aviões.

A questão é: como fazer com que os políticos do mundo – EUA, Europa e Ásia – vejam o quanto a política americana de tudo ou nada ameaça gerar novas ondas de guerra, de refugiados, de interrupção do comércio de petróleo no Estreito de Ormuz e, finalmente, novas ondas de aquecimento global e de dolarização neoliberal impostas a todos os países.

É sinal de o quanto é insignificante o poder da ONU, que nenhum país esteja exigindo novo julgamento de crimes de guerra ao estilo de Nurenberg. Que ninguém ameace retirar-se da OTAN. Que ninguém reaja contra manter reservas sob a forma de dinheiro emprestado ao Tesouro dos EUA, para financiar o orçamento militar dos EUA, em sua guerra contra todos os povos do mundo. [assina] Michael Hudson

NOTAS

(*) No original Middle East. Doravante, seguindo o exemplo do Chanceler Zarif, do Irã, diremos sempre “Ásia Ocidental”. Em tuíto de https://twitter.com/snarwani [NTs].

1.                    https://www.axios.com/trump-to-iraqi-pm-how-about-that-oil-1a31cbfa-f20c-4767-8d18-d518ed9a6543.html . O artigo acrescenta: “Na reunião de março, o primeiro-ministro iraquiano respondeu: ‘Como assim?’, de acordo com a fonte na sala. E Trump diz: ‘Bem, nós fizemos muito, fizemos muito por lá, gastamos trilhões por lá e muitas pessoas têm falado sobre o petróleo’. 

2.                   Michael Crowly, “‘Ficar com o petróleo’: Trump revive o slogan na nova missão de tropas da Síria”, The New York Times , 26/10/2019. https://www.nytimes.com/2019/10/26/us/politics/trump-syria-oil-fields.html.
O artigo acrescenta: “‘Eu disse para ficarmos com o petróleo’, relatou Trump. ‘Se eles estão indo para o Iraque, fiquem com o petróleo. Não fizeram. Nunca fizeram.’”

QNavy
QNavy is a pool of 3 former Navy Officers, U.S. Navy & French Navy, who served proudly their countries, specialized in conflict analysis as per their respective skills & experience on Special Ops. #NavyVetUnited

Pepe Escobar, Facebook, 11/1/2020, 9h01 (horário de BSB) MUITO IMPORTANTE.

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