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Putin vs. Erdogan: Quem piscará primeiro?

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20/2/2020, Mike WhitneyUnz Review


Desenvolve-se na província de Idlib uma situação explosiva. Ali, o Exército Árabe Sírio comanda grande ofensiva, que já desencadeou resposta dura da Turquia. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan ameaça atacar forças sírias em qualquer ponto do país, se o governo sírio não puser fim a todas as suas operações militares na chamada “zona de desescalada” de Idlib. À parte do fato de que a Turquia não tem qualquer direito legal de ocupar território sírio, a ameaça de Erdogan põe a Turquia contra a Rússia, num confronto que pode escalar rapidamente para conflagração geral.

“Anuncio que atacarei as forças do regime sírio onde estejam, a partir de hoje, sem me limitar a Idlib, nem pelo Memorando de Sochi, se nossos soldados nos pontos de vigilância ou em qualquer outro local sofrerem qualquer dano” – disse Erdogan falando em reunião de membros de seu partido.

Legalmente, a Turquia não tem onde se apoiar. Pelo acordo de Sochi, assinado por Turquia e Rússia em 2018, a Turquia aceitou os seguintes termos:

1.     Todos os grupos terroristas serão retirados da zona desmilitarizada até 15/10/2018.

2.    Todos os tanques, artilharia, MLRS e morteiros dos lados em conflito serão retirados da zona desmilitarizada até 10/10/2018.

3.    Com vistas a assegurar a livre movimentação dos moradores locais e o transporte de bens, e para restaurar laços econômicos e de comércio, o trânsito ao longo das rodovias M4 (Alepo-Latakia) e M5 (Alepo-Hama) estará restaurado antes do final de 2018.

Erdogan não cumpriu nenhum desses compromissos.

Em recente reunião com jornalistas, o Ministro das Relações Exteriores da Rússia Sergei Lavrov explicou o que realmente está acontecendo. Disse ele:

“Como os senhores sabem (…) foi firmado um acordo de trégua, pelo qual ficou decidido que os grupos terroristas assim definidos pelo Conselho de Segurança da ONU não seriam, como não poderiam ser, cobertos pela trégua”.

(…) Todos os grupos identificados pelo Conselho de Segurança da ONU como grupos terroristas marcharam quase ao mesmo tempo para o que restava da zona de desescalada de Idlib…. O presidente da Rússia Vladimir Putin e seu contraparte turco Recep Tayyip Erdogan firmaram acordos especiais para essa zona. Essa questão foi revisada duas vezes – em setembro de 2018 e em outubro de 2019. Nos dois casos, Rússia e Turquia adotaram documentos específicos, que incluíram o compromisso assumido por essas duas partes, de supervisionar Idlib, primariamente em termos de segurança civil e de distribuição de auxílio humanitário.

Lamentavelmente, até aqui a Turquia ainda não cumpriu alguns dos seus compromissos chaves, concebidos para resolver o núcleo duro do problema de Idlib” (“Lavrov explains the Idlib agreement”).

Em poucas palavras, a Turquia não cumpriu sua parte do acordo e não retirou da área os elementos da al-Qaeda que ainda operam abertamente em Idlib e ainda recebem apoio do estado turco. Depois de muitos avisos e adiamentos, Síria e Rússia sua aliada decidiram que têm de pôr fim aos subterfúgios de que Erdogan serve-se, e agir, elas mesmas – o que é perfeitamente legal e permitido pela lei internacional. Desde que a operação começou há cerca de duas semanas, o Exército Árabe Sírio já libertou várias cidades estratégicas na área, além das rodovias M4 e M5, que constituem o principal corredor de transporte do país.

Em resposta, a Turquia “uniu-se a militantes ligados à al-Qaeda, nos ataques que têm feito contra posições do Exército Árabe Sírio (em) Idlib. Nos últimos dias, Hayat Tahrir al-Sham e outros grupos radicais receberam da Turquia quantidade considerável de equipamentos militares e armas. Dia 10/2, esses grupos atacaram o Exército Árabe Sírio, usando as armas e os equipamentos recebidos” (“Turkish Troops Join Al-Qaeda-linked Militants In Their Attack On Saraqib”, South Front).

Horas depois do ataque desses terroristas, o Exército Árabe Sírio retaliou e (segundo notícias do governo) mataram 8 ou mais soldados turcos nos arredores de um posto de observação dos turcos em território sírio. A escalada inesperada recebeu rápida resposta de Ancara, quando o ministro da Defesa da Turquia avisou que o país tomaria medidas “se as forças sírias não se retirarem até o final de fevereiro.”

A Turquia não desiste; desde 2015 os turcos insistem em tentar anexar grandes partes do território do norte da Síria; naquele ano, o governo anunciou, pela primeira vez, o apoio a um plano para impor “zonas seguras” (35km de profundidade em território sírio) ao longo dos 911km de fronteira sírio-turca. O plano foi bem-sucedido a leste do Rio Eufrates, em áreas que tropas sírias invadiram no início do ano, sob o pretexto de que a milícia curda YPG, seria grave ameaça à segurança territorial da Turquia. A tentativa para tomar ainda mais território sírio a oeste do Eufrates, invocando a ameaça de haver ali um “desastre humanitário”, sugere que a Turquia esteja disposta a usar qualquer pretexto, por fantasioso que seja, no esforço para alcançar seus objetivos estratégicos. Felizmente, Putin não se deixou prender na conversa de Erdogan, que muda de justificativas como quem muda de camisa, mas sempre interessado em tomar mais e mais território sírio. As forças russo-sírias continuam a avançar em profundidade no território da província, desalojando ou matando o que ainda reste nos bolsões de militantes armados que haja nessa trilha.

Segundo a PressTV iraniana: “O Ministério de Relações Exteriores da Rússia disse, em declaração recente, que militantes com bases em Idlib realizaram “mais de 1.000 ataques nas duas últimas semanas de janeiro”, a partir de uma zona de desescalada controlada pela Turquia, na província em questão. O Ministério destacou que a maior parte desses ataques levam a assinatura do grupo militante Hayat Tahrir al-Sham.

A Síria enfrenta ataques de militantes apoiados por estrangeiros desde março de 2011. O governo sírio diz que o regime sionista de Israel e seus aliados ocidentais e regionais estão ajudando grupo de terrorista Takfiri que semeiam agitação e tumulto no país árabe” (“Turquia warns of ‘Plan B’ amid Syria’s anti-terror operation in Idlib”, Press TV).

Putin procura vias para diluir a situação e conseguir um acordo com Erdogan, mas não é empreitada fácil. Putin já adotou abordagem minimalista no conflito sírio, vale dizer, está comprometido com libertar áreas vitais para a preservação do estado sírio, mas não sairá desse limbo nem comprometerá interesses da Rússia em ataques a bases dos EUA no leste da Síria nem abrirá guerra contra Erdogan no oeste do país. Na mesma linha, Putin não pode deixar-se manipular por qualquer oportunista como Erdogan, que quer livrar-se de acordos assinados porque deixaram de atender às suas ambições regionais. Putin gostaria de atender parte, pelo menos, das ambições do presidente turco e permitir-lhe manter tropas numa zona segura, mais ao norte. Mas de modo algum cederá a todos os desejos de Erdogan. Putin é razoável, mas não é ator que se deixe empurrar para fora do jogo, como Erdogan sem demora compreenderá.

Aqui, mais alguns dados de contexto, de coluna do Daily Sabah, jornal turco pró-Erdogan:

“Idlib, como última fortaleza das forças de oposição, tem também um significado simbólico nas conversações de paz em Genebra: quem controlar Idlib terá obviamente grande influência na última palavra sobre o futuro da Síria. Idlib tem grande importância também para o governo Assad, porque reforçará sua posição nas conversações de Genebra, num momento em que o regime assumo o risco insano de confrontar forças turcas em guerra aberta em solo pela primeira vez desde o início da guerra civil. Obviamente, seria fatal para o acordo de Sochi.

Em termos estritos, o resultado dos ataques do regime sírio em Idlib é questão de vida ou morte para o papel da oposição nas conversações de Genebra. A oposição lutará até o fim para tentar impedir que sua posição seja enfraquecida nessa derradeira oportunidade nas conversações sobre Idlib” (“Turkey and Russia must find a path to a new agreement”, Daily Sabah).

“Questão de vida ou morte para o papel da oposição nas conversações de Genebra”? “A oposição [terroristas] lutará até o fim?”

A possibilidade é bastante real, especialmente no atual ambiente hiperincendiário.

O presidente sírio Bashar al Assad precisa de Idlib para reunificar o país e conectar Latakia e Alepo a Damasco.

Putin precisa de Idlib para pôr fim ao envolvimento direto dos russos na Síria e ter afinal um modelo testado de intervenção para preservar nações-estados ameaçados, contra operações para mudança de regime.

E Erdogan precisa de Idlib para estender o poder da Turquia até territórios que os turcos já controlaram, mas perderam depois do avanço imperialista pós-1ªGuerra Mundial. Acrescente-se a esse caldo tóxico de interesses em confronto os recentes anúncios feitos por EUA e OTAN, de que apoiam os interesses de Erdogan em Idlib, e a probabilidade de desastre aumenta exponencialmente. Eis o que o neoconservador Mike Pompeo disse ontem, pelo Twitter:

“Minhas condolências às famílias dos soldados mortos no ataque de ontem em Idlib. Os repetidos assaltos conduzidos pelo regime Assad e pela Rússia têm de parar. Enviei Jim Jeffrey (enviado especial dos EUA à Síria) a Ancara, para coordenar os passos da resposta a esses ataques desestabilizantes. Estamos com a Turquia, nossa aliada na OTAN.”

Os comentários de Pompeo foram acompanhados por notícias de que bombardeiros norte-americanos atacaram soldados sírios em Al-Qamishli. Horas antes, Israel lançou mísseis contra Damasco. Claramente, as potências ocidentais estão aflitas para extrair alguma vantagem da crise emergente e fazê-la alastrar-se o mais possível.

Quanto à Turquia, um conhecido colunista do jornal Daily Sabah foi suficientemente honesto para comentar a política turca, mas sem nem tentar ocultar os verdadeiros motivos de Ancara. Eis o que disse:

“A Turquia, contudo, está determinada a deter a ofensiva do regime sírio (…) Embora o objetivo básico seja preservar os postos de observação da Turquia, é óbvio que o deslocamento em curso serve a uma agenda mais ampla. Ao avançar, Ancara precisa fixar uma zona protegida com fronteiras duradouras. Em outras palavras, a Turquia tem de conseguir montar operação abrangente para combater os terroristas, dentre outras coisas. Essa operação tem de conseguir assegurar a sustentabilidade da zona protegida” (“Regime violence must be stopped now”, Daily Sabah).

Como o autor deixa claro, o real objetivo da Turquia é anexar território sírio no norte e expandir as próprias fronteiras para o sul – caso claro de agressão territorial contra país soberano. Não nos parece que Putin se interesse por aliar a Rússia, a isso.*******

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