8/9/2020, Pepe Escobar, Consortium News
Foto: Ruptly in cbc
É a antiga tragédia grega, reencenada na Anglo-américa.
Sob ribombante silêncio e indiferença quase universal, acorrentado, imóvel, invisível, um Prometeu esquálido foi transferido do patíbulo para um julgamento-espetáculo, num tribunal gótico fake, dentro de uma prisão medieval.
Cratos, personagem que encarna o Poder, e Bia, que encarna a Violência [personagem muda] cuidaram atentamente de acorrentar Prometeu, não a uma montanha no Cáucaso, mas ao confinamento em cela solitária numa prisão de segurança máxima, exposto a incansável tortura psicológica. Em nenhuma das torres de vigilância do ‘ocidente’, apareceu algum Hefesto** voluntário, que forjasse qualquer pequena relutância, qualquer dúvida, nem, que fosse, uma gota de piedade.
Prometeu está sendo punido, não por ter roubado o fogo dos deuses – mas por ter exposto o poder à luz da verdade, provocando com isso a ira sem limite nem descanso, de Zeus, O Excepcionalista, que só consegue consumar seus crimes, se ninguém o vê, se se esconde sob incontáveis véus de sigilo e segredo.
Prometeu atropelou o mito do segredo – que garante a Zeus os meios para controlar todo o universo humano. E atropelar mitos é anátema.
Imagem: “Prometeu sendo Acorrentado por Vulcano,” 1623, óleo sobre tela de Dirck van Baburen. (Vulcan Rijksmuseum, Wikimedia Commons)
Por anos, hackers estenógrafos degradados trabalharam sem descanso para inventar um Prometeu trapaceiro, falsário, leviano.
Abandonado, degradado, demonizado, Prometeu só foi consolado por pequeno coro de Ninfas – Craig Murray, John Pilger, Daniel Ellsberg, Wiki combatentes, autores de Consortium.
Até as ferramentas mais básicas para organizar alguma defesa foram negadas a Prometeu, qualquer coisa que, pelo menos desse uma chacoalhada na narrativa de Zeus, em sua dissonância de cognição.
Oceano, o Titã pai das Ninfas, tenta, mas não consegue, convencer Prometeu a não provocar ainda mais a ira de Zeus.
Prometeu revelou às Ninfas que expor o segredo de Zeus nunca fora o maior anseio de seu coração. E que, no longo prazo, seu sofrimento poderia reacender o amor do povo pelas artes civilizatórias.
Um dia, Prometeu recebeu a visita de Io, mulher e humana. Previu que ela não mais viajaria e que daria a ele dois filhos. Poderia ter previsto também que um dos filhos deles – epígono de Héracles, sem nome – muitas gerações adiante, o libertaria, figurativamente, de seus tormentos.
Zeus e seus capangas condenadores de deuses e homens nada têm, comprovado, contra Prometeu, além da posse e da distribuição de informação sigilosa dos Excepcionais.
Mesmo assim acaba por caber a Hermes — mensageiro dos Deuses e, significativamente, o que distribui o noticiário – ser enviado por Zeus que, tomado de incontrolável fúria, exige que Prometeu declare-se culpado por ter derrubado a ordem baseada em regras fixadas pelo Supremo Excepcional.
Imagem: CBC TV cobre a expulsão de Assange, da embaixada do Equador em Londres. (YouTube)
Tudo isso está sendo ritualizado, no tribunal-espetáculo de hoje – que jamais teve qualquer coisa a ver com Justiça.
Prometeu não será domado, nunca cede. Em pensamento, diz como o Ulisses de Tennyson: “Tentar, buscar, achar e não se render”.***
Assim, Zeus consegue finalmente atingi-lo com o raio do Excepcionalismo, e Prometeu é condenado.
Mas Prometeu roubou o segredo do poder, e esse roubo não pode ser desfeito. Seu destino com certeza preparará a entrada em cena de Pandora com sua caixa de desgraças – completa, com consequências não previstas.
Seja qual for o veredito daquele tribunal do século 17, não é garantido, longe disso, que Prometeu entre para a História como único culpado por toda a loucura humana.
Porque agora o xis da questão é que Zeus foi desmascarado.******
* “Prometeu acorrentado” (ing. Prometheus Bound) é título de tragédia grega, atribuída a Ésquilo. Na tradução de J.B.de Melo e Souza, pode ser lida em português aqui [NTs].
** “Vulcano, na mitologia latina; na mitologia grega, Hefesto (NTs).
*** Só para ajudar a ler, encontra-se uma tradução de “Ulysses” de Tennyson, ao português, aqui [NTs].
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