19/1/2021, Pepe Escobar, para o Saker Blog
O show de abertura da temporada do Joe & Kammy Mudança de Regime Show não poderia encontrar salão de espelhos mais apropriado, refletindo a autodeclarada ‘elite política’ dos EUA.
Ao longo dos anos 2000s, estive várias vezes cara a cara com a Zona Verde de Bagdá. Sempre me hospedei e trabalhei na hipervolátil Zona Vermelha – como podem verificar em meu livro de 2007 Red Zone Blues.
Sabíamos já naquele momento, que o revide viria, inevitável.
Mas nunca poderíamos ter imaginado simulacro mais escandalosamente eloquente: a Zona Verde transplantada, replicada, no coração do D.C. imperial – toda ela, muros, arame farpado, incontáveis postos de controle, guardas pesadamente armados.
É ainda mais significativo, porque se fecha assim um ciclo geopolítico da “nova ordem mundial”: o império começou a bombardear o Iraque – também com bombas de fragmentação – há trinta anos. A operação “Tempestade no Deserto” foi lançada dia 17 de janeiro de 1991.
A Zona Azul está agora “protegida” por surge massivo de mais de 26 mil soldados – muito mais do que Afeganistão e Iraque somados. É Forever Wars [Guerras para sempre] – que vocês podem baixar dos meus arquivos – fechando um ciclo.
Exatamente como nenhum cidadão iraquiano comum foi jamais livre para pisar na Zona Verde, nenhum cidadão norte-americano é livre hoje para pisar na Zona Azul.
Assim como na Zona Verde, os que se movimentam dentro da Zona Azul são representantes, só, de si mesmos.
E exatamente como a Zona Verde, os que andam pela Zona Azul são vistos por metade da população da Zona Vermelha, como exército de ocupação.
Só a sátira garante alguma justiça poética ao que, de fato, é posse presidencial ‘Potemkin’,* posse ‘cenográfica’, de um holograma. Assim sendo, bem-vindos ao presidente mais popular na história, que toma posse em segredo, com medo de sua própria, e fake, Guarda Pretoriana. O Sul Global já assistiu a esse show de horrores – infindavelmente reencenado. Mas nunca antes em versão Boca do Lixo, de Hollywood.
Na dúvida, culpe a China
Enquanto isso, presa dentro da Zona Azul, a Casa Branca sua a camisa para montar interminável lista de realizações.
As multidões irão à loucura, por se livrarem dos terríveis desastres da política externa, cortesia do norte- americano Mike Psycho Pompeo; por verem desmascarada a narrativa oficial, parcialmente ou como um todo; e até aceitando aquelas estranhas “realizações”.
Mas toda atenção é pouca, quanto a um item chave: “Reconstrução Colossal das Forças Armadas”.
Eis o projeto que terá papel chave depois de 20 de janeiro – o general Flynn andou extremamente ocupado, a exibir provas aos militares de o quanto “engajado” seria o novo Holograma-em-Chefe.
E há também o drama em andamento, sem fim, de 3 de novembro. Culpas têm de ser devidamente distribuídas. Impeachment, caça digital às bruxas, cercar “terroristas domésticos”, nada disso é suficiente. Quente, mesmo, é “interferência estrangeira”.
Entra em cena o Diretor da Inteligência Nacional (ing. National Intelligence, DNI) John Ratcliffe, e diz enfaticamente que “a República Popular da China tentou influenciar as eleições federais de 2020 nos EUA.”
Ratcliffe falava de um relatório enviado ao Congress dia 7 de janeiro, pelo Chefe da Divisão de Soluções do DNI, ou ombudsman analítico, Barry Zulauf, acompanhado de uma avaliação sobre “interferência estrangeira”.
Questão legítima é por que demoraram tanto para concluir o relatório. E ainda piora: toda a inteligência sobre interferência estrangeira apresentada no relatório foi obtida por ninguém menos que os mais altos responsáveis pela CIA.
O ombudsman diz que os grupos de analistas que trabalharam sobre a interferência de russos e chineses usaram padrões diferentes. Entende-se: Rússia, claro, já nasceu culpada; China recebeu o benefício da dúvida.
Ratcliffe realmente afirma que alguns analistas recusaram-se a culpar Pequim por interferência na eleição, ‘porque’ eram analistas – e o que mais seriam – do grupo dos “Trump Never”.
Sendo assim, Langley, temos um problema. Pompeus “Nós mentimos, nós enganamos, nós roubamos” Minimus é CIA. Para ele, o Partido Comunista Chinês é o maior mal que jamais houve na história da humanidade. Como Minimus não influenciaria seus asseclas para que produzissem, pelos meios necessários, qualquer tipo de ‘prova’ de interferência chinesa nas eleições?
Ao mesmo tempo, para a facção “Estado Profundo” Democrata, a Rússia é culpada perpétua de… não importa. De tudo.
Essa ravina que divide o salão de espelhos do Estado Profundo reverbera deliciosamente o cisma Zona Azul/Zona Vermelha.
Desnecessário acrescentar que, seja no relatório do ombudsman seja na carta de Ratcliffe não há absolutamente qualquer prova real de interferência dos chineses.
Quanto à Rússia, à parte a interferência na eleição – repito: não há prova alguma –, o aparato da Demência do Estado Profundo Democrata ainda trabalha, até hoje, para culpar Moscou também pelo 6 de janeiro. O mais recente gambito está centrado numa garota Make America Great Again que talvez tenha roubado o laptop de Pelosi de dentro do gabinete dela no Capitol, para vendê-lo à inteligência estrangeira dos russos.
Todo o Sul Global – incluída a Zona Verde de Bagdá – quer sempre mais e mais do maior espetáculo da Terra. Vendem bananas na Zona Azul?*******
* “Como as cidades falsas erguidas durante visita de Catarina II à Crimeia em 1787, pelo amante da imperatriz russa Grigory Potemkin, há algo de ilusório em tudo ali” (“Putin escolhe a hora para reciclar Potemkin”, 15/1/2021, Dasha Afanasieva, Reuters, sobre discurso de Putin ao povo russo, em que o presidente da Rússia anunciou planos para dar mais poderes ao Parlamento. É Reuters passando vergonha, e Pepe Escobar noticiando [NTs].
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