South America

Economia global ‘mascarada-de-verde’*: delírio que pode derrubar tudo

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22/3/2010, Alastair Crooke, Strategic Culture Foundation


‘Modernidade’ e Oriente Médio jamais foram, em toda a história, bons parceiros de cama. Tampouco essa coabitação tensa foi, em tempo algum, experiência estimulante; longe disso – sempre foi terrivelmente inconveniente, perturbadora. Tem levado à transferência forçada de populações inteiras, pessoas arrancadas de suas comunidades, da respectiva cultura e da própria terra. Sempre veio acompanhada por episódios de secularismo forçado, chegando até à imposição de modos ocidentais de vestir. Viu a Renascença Islâmica do século 19 ser ensombrecida pela ocidentalização, velhos mitos apagados, e o Islã pendurado só pelas unhas à beira do penhasco da história, – e os jovens da região cativados pelos fumos de um socialismo alienígena.

Hoje, o Establishment ocidental está implementando um duplo re-boot no próprio e sempre mais dilapidado mito de legitimação. Chamam de ‘Re-set’, como a reinicialização de um laptop. Na verdade, trata-se de ‘baixar’ uma atualização subsequente do sistema operacional instalado – já não mais tão focada em democracia e liberdade pelo planeta; a narrativa instalada está sendo silenciosamente aposentada, passadas as eleições de novembro nos EUA, que dividiram o país.

Não. Hoje um Ocidente altruísta comanda uma carga de cavalaria armada para ‘salvar nosso planeta’ da mudança climática. Aí está a ‘modernidade’ ocidental atualizada. Mais que isso, ‘valores’ do Establishment foram correspondentemente atualizados, para acompanhar a nova missão do ocidente. O novo Establishment mais ‘sensível’, opõe-se furiosamente ao ‘suprematismo branco, à ‘desigualdade’ racial e social, e mostra-se, por sua vez, absolutamente comprometido com a Agenda Verde e com implantar Direitos Humanos (gênero e identidade) pelo planeta.

Constata-se aí mudança imensa, a partir da pequena equipe do Conselho de Relações Exteriores (ing. CFR, Council on Foreign Relations) a qual, no início da década dos 1940s, buscava um imperialismo norte-americano baseado, não no colonialismo literal britânico ou francês e já desacreditado, mas colonialismo que tivesse raízes em universais considerados virtuosos, e apoiados em massivo poder de fogo.

‘Revolução’ silenciosa entre as elites, não é mesmo? Sim. E profunda mudança em relação ao ethos dos que fundaram o CFR (financistas Rockefeller e JP Morgan), – ‘barões’ de um capitalismo de ‘vanguarda’ robusto e superdimensionado.

Hoje, até Wall Street, a neoliberal, já está sendo ‘mascarada-de-verde’. Hoje, Wall Street faz investimentos Ambientalmente, Socialmente e Financeiramente (ASF) responsáveis (ing. ESG; detalhes no website do Banco Pactual, em português, NTs). E dado que a narrativa é Verde, Verde também é a onda pró investimentos ASF, que não há banco que não se dedique a tentar impingir aos clientes porque – ora, vocês entendem… – é o correto a fazer, ambientalmente, socialmente e financeiramente (sarcasmo). Fato é que acionistas majoritárias desses fundos que promovem a marca virtuosa “ASF” são empresas como… Microsoft, Alphabet, Apple e Amazon. Nada mais difícil do que explicar como ações dessas empresas beneficiariam o meio ambiente.

O que esta mentalidade poderia gerar de mudança para a região? Mudará muito? Nominalmente, a ordem controlada pelos EUA mudará… mas o controle permanece. Apenas que será controle baseado no clima, via regras sobre emissões de CO2; em padrões para saúde e pandemias; e conjunto de regras e regulações a serem administradas por um Banco Central para sum sistema monetário digital.

Se esse ‘Re-set’ prosperar – embora nada garante que prospere –, seu efeito potencial sobre o Oriente Médio pode vir a ser comparável ao torvelinho que a região conhecer no início do século do 19. Como escreveu Jonathan Tennenbaum, em Asia Times,[1]


“ … os EUA têm à sua disposição várias ‘ferramentas’ para impor seus objetivos ‘climáticos’ ao mundo. Biden até já fala de impor tarifas de carbono, taxas ou quotas para importação de bens intensivos em carbono, de países que “fracassem ao não cumprir seus deveres climáticos e ambientais” 
(…).

“O ‘clima’ assim daria ao governo Biden o argumento necessário para dar prosseguimento aos projetos protecionistas de Donald Trump, por ‘outra via’. Como Biden disse durante a campanha: “Países que não cumpram as próprias responsabilidades ‘climáticas’ [aspas do tradutor] não serão autorizados a contaminar o progresso global com bens baratos, sujos de carbono”. Claro que combater “bens sujos de carbono” será também um meio para “proteger empregos nos EUA” (Mas há muito mais na caixa de ferramentas.

Metas ‘climáticas’ garantem também justificação ampla para fortes intervenções na política doméstica das nações, incluindo apoio para alguns partidos, alguns movimentos sociais e ONGs selecionadas”.


Entreouvido no boteco do Vavá:

“Em país que tenha governo democraticamente eleito,
criar ou manter ‘organização não governamental’ é crime de lesa-pátria.” Bingo!
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“Fato inafastável é que países em desenvolvimento precisam de energia; e expandem a respectiva infraestrutura de combustíveis fósseis conforme as respectivas necessidades. É o que se vê claramente no processo de construir oleodutos e gasodutos. Os EUA no governo Biden tentarão paralisar esses projetos, em nome de salvar ‘o clima’?!”

Alexis de Tocqueville não teria dificuldades para compreender o significado dessa marcha estúpida, lenta, de regulação global crescente que mistura ‘clima’, saúde e direitos. Em 1835, Tocqueville já previra que a sociedade mergulharia num novo tipo de servidão, na qual

“cobre-se a superfície da sociedade com uma rede de regras mínimas e complicadas”, rede que “não tiraniza, mas comprime, sufoca, enerva, extingue e paralisa as pessoas pelo estupor, até que cada nação seja reduzida a rebanho de animais tímidos e operosos, pastoreados pelo governo”.

Estados do Oriente Médio podem sentar nas coxias, à espera de ver se será realizável hoje um retorno forçado à continuidade da agenda hegemônica dos EIA; e também para esperar um clímax épico para essa luta – enquanto a resistência cresce. Porque a realidade é que a autoridade euro-norte-americana é rala; o povo, ali, está profundamente dividido; seus sistemas são eivados de armadilhas; e as múltiplas crises são facilmente visíveis no horizonte.

Para reestabelecer uma classe imperial global, a equipe Biden teria de forçar um ‘retorno’ psicologicamente climatérico contra o eixo Rússia-China-Irã. Esse retorno (como o resultado da Guerra Fria) pareceria –justificar a ‘atualização’ do “sistema operacional” ocidental. Mas não parece provável.

Estados do Golfo, que já abraçaram uma pós-modernidade ocidental, têm seguido o mapa do caminho do ‘Re-set’ de ‘Davos’: concentrando suas economias dentro e um apertado círculo no controle; maximizando a operacionalidade centralizada. Mas, sobretudo, abraçaram o mantra de Davos da 4ª Revolução Industrial (ing. Fourth Industrial Revolution4IR) na qual Inteligência Artificial, robôs e Tech mudam o mundo (feito um ‘milagre’ pelo lado da oferta).

Paremos aqui, por um instante: O que está acontecendo?

Bem, quando as Big Tech dos EUA começaram, suas plataformas eram ferramentas que podiam ajudar os humanos a se comunicar com mais facilidade e conveniência. Já não é assim. As coisas mudaram. Primeiro, descobriram que a vigilância que exerciam sobre tudo a que seus usuários assistiam, ou em que mostravam qualquer interesse (ou evidenciavam estado emocional alterado), permitia que as plataformas conhecessem perfeitamente o indivíduo. E então, secundariamente, a partir disso, permitia prever comportamentos. Apenas um pequeno passo até compreender que, se os indivíduos fossem previsíveis, e passassem a responder como ‘previsto’ às ‘dicas’ psicológicas da plataforma, seria possível ‘empurrar’ comportamentos e crenças. Estavam obtendo controle sobre as mentes, sem intervenção humana; e tudo isso feito por algoritmos.

O ponto aqui é que o processo foi gerando riquezas fantásticas para oligarcas, mediante a gestão de complexa manipulação de mentes, e informação e protocolos que poderiam vender. Em resumo, tudo estava contido no processo, na IA. Os usuários jamais passariam de bucha para esse canhão.

E agora, essa abordagem pela Plataforma de IA está sendo ampliada para a economia.

Estamos “às portas de uma remodelação fundamental das finanças” – garante o CEO do maior Hedge Fund do mundo, Blackrock. Emissões de COestão sendo monetizadas e foi criada uma vasta maquinaria financeira, ligando valoração de patrimônio a parâmetros como ‘intensidade de carbono’, ‘índices de sustentabilidade’, e a novas ‘variáveis de valor’, como número de LBGTQ empregados e desempregados. Uma vez calculadas, essas variáveis serão negociadas e os futuros comprados e vendidos.

Do mesmo modo, essas plataformas sociais permitem que os jovens sinalizem valores para ‘amigos’; e que, mediante a ilusão dos likes e emojis ‘polegar para cima/para baixo’, sintam-se como parte de alguma comunidade ‘real’ de gente que pensa do mesmo modo. Daí, concomitantemente, os mesmos princípios de usar IA de controle de mentes, para embaralhar as variáveis da economia ‘ASF’ permitirá que os fundos de Wall Street apresentem a cada investidor a precisa virtude-imagem de uma empresa que a IA já determina que ele/ela investidor mais gostaria de ver.

Com as economias ocidentais cada vez mais dedicadas a ‘fazer-crer’, tem-se aí um gancho brilhante com o qual levar os investidores a crer que estariam ‘consertando’ o mundo ao investir em fundos “ASF” – mesmo que estejam apenas enriquecendo Larry Fink e Jamie Dimon. É possível que esse ‘jogo’ da economia ASF, venha a tornar-se tão viciante quanto Fortnite.

“Afinal, quem poderia ser contra ‘consertar’ o clima, mesmo que custe quatrilhões (…) – ou, então, especialmente se custar quatrilhões, porque, de uma só vez, os bancos centrais garantiram para eles mesmos uma carta branca para imprimir tanto dinheiro quanto possam algum dia vir a precisar –, porque quem recusaria [a consertar o clima] se assim se garantiria para toda a eternidade que gerações futuras terão vida melhor?

“Essa semana o ex-chefe para Investimento Sustentável de BlackRock, publicou coluna assinada em USA Today na qual admite que Wall Street está verde-mascarando (ing. greenwashing) o mundo financeiro, fazendo do investimento sustentável nada além de instrumento de Relações Públicas – uma distração.”

“A indústria dos serviços financeiros está ludibriando o público norte-americano com suas práticas pró-meio ambiente e pró investimentos sustentáveis. Essa arena de multitrilhões de dólares de investimento socialmente consciente está sendo apresentada como algo que ela não é. Na essência, Wall Street está verde-mascarando o sistema econômico e, no processo, cria uma distração mortal. Vivi no coração dessa indústria. Deveria ter percebido.”

Em outras palavras, cada vez que uma das bolhas existentes no mercado falha, eventualmente rebenta, necessitamos de uma nova bolha – uma ‘bolha verde’ de investimento sustentável (até que essa também rebente). Mas há também lado ainda mais escuro nesse ‘jogo’ Tech: é que os algoritmos vão rapidamente se convertendo nos Fins.

Os algoritmos é que determinam como nos incentivar e nos ‘empurrar’ na direção do comportamento que mais faça aumentar os ganhos financeiros para os oligarcas da plataforma. Essa metamorfose está absolutamente implícita na agenda de ‘Davos”. Robôs, IA e visão e reconhecimento por máquinas avançarão e predominarão, com a maioria dos seres humanos afastados dos empregos em licença remunerada (talvez até serem afinal demitidos, conforme máquinas vão assumindo qualidades humanas e convertendo-se em transumanos).

Esses aspectos talvez pareçam distantes demais dos que vivem na região e talvez ainda não representem qualquer preocupação para eles. Mas isso aqui, adiante, deveria preocupá-los:

“Os defensores das políticas verdes há muito alertaram (desde antes das eleições americanas de 2016) que a dificuldade dos investidores para compreender o impacto radical de uma mudança dos antigos valores (difundir a democracia), para “Salvar o Planeta” levou a uma enorme supervalorização dos ativos ligados aos combustíveis fósseis – com base nas suposições dos investidores de que o crescimento do consumo mundial destes últimos combustíveis deve continuar – e de que os governos tomarão apenas mínimos passos para reduzi-lo. No entanto, rápida transição para fontes de energia livres de C02, deixaria provavelmente para trás uma montanha de “ativos de combustíveis fósseis encalhados”, que teriam que ser amortizados, dado que seu valor real subjacente evaporou-se”.

Em 2015, o governador do Banco da Inglaterra, Mark Carney, disse:


Mudanças na política, tecnologia e riscos físicos poderiam provocar uma reavaliação do valor de uma grande variedade de ativos. A velocidade na qual tal reavaliação ocorre é incerta; e poderia ser decisiva para a estabilidade financeira (…). Se determinada manifestação física da mudança climática – inundação ou tempestade – pode não afetar diretamente o valor de uma obrigação corporativa, uma ação política para promover a transição para economia de baixo carbono poderia desencadear uma reavaliação fundamental … [A] reavaliação por atacado das perspectivas, especialmente se ocorrer de repente – poderia desestabilizar os mercados, desencadear uma cristalização pró-cíclica das perdas, e gerar aperto persistente das condições financeiras.

Em 2019, Carney, então ainda presidente do Banco da Inglaterra, praticamente pediu aos investidores que reduzissem sua exposição financeira em papéis associados a empresas que negociem com combustíveis fósseis. Em entrevista à BBC dia 30 de janeiro daquele ano, Carney chamou a atenção para a ameaça que pesava contra os fundos de pensão, alertando que:


“80% das reservas globais de carvão e metade das reservas mundiais comprovadas de petróleo podem converter-se em ativos podres, conforme o mundo reduza as emissões de carbono, e novas ofertas de energias limpas, renováveis, substituam os combustíveis fósseis.

Ora… Carney é conhecido devoto de Davos; com Davos ou sem, contudo, já estamos diante da “transição para economia de baixo carbono”. Ou, no mínimo, é o que Biden et al andam prometendo, como meio para que os EUA consigam ‘reinventar-se’ e reimpor sua liderança global (e nem importa que sentido teria, se tivesse, a ideia de que o CO2, seria determinante, como único fator, para mudar o clima do planeta).

Que essa transição sirva ou não sirva, para atender às ambições de liderança de Biden é uma coisa. Mas a questão crucial é se essa transição ‘salvará’ a economia, ou se a quebrará de vez (desastre que, como Carney indica, parece possibilidade bem real).*******


[1] 7ª e última parte do artigo “Cuidado! Biden quer salvar o planeta” (ing.): Parte 1Parte 2Parte 3Parte 4, Parte 5Parte 6 e Parte 7

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