1/3/2021, The Saker, paraUnz Review, em The Vineyard of the Saker
“Disintegration” é minha terceira resenha sobre trabalhos de Andrei Martyanov:
– primeiro, resenhei Perdendo a Supremacia Militar: Miopia do Planejamento Estratégico dos EUA(ing. 5/7/2018, in Unz Review, resenha traduzida no Blog do Alok);
– segundo, resenhei A Verdadeira Revolução nos Assuntos Militares(ing., 10/12/2019 traduzido em Saker Latino-america)”; e
– entrevistei Andrei sobre seu segundo livro (ing.), aqui.
Hoje resenho o terceiro livro de Martyanov, “Disintegration: Indicators of the Coming American Collapse” (no prelo, com lançamento previsto para 1º de maio e que pode ser encomendado, ing. aqui diretamente à editora Clarity Press, e em Amazon, aqui).
Se os dois primeiros volumes focaram-se principalmente em questões de planejamento de forças e poder militar, esse terceiro volume examina o contexto mais amplo e mostra, exemplo após exemplo, que os EUA não apenas têm fracassado nos esforços para manter a própria hegemonia mas, mais que isso, estão em processo que se pode chamar de “colapso de espectro total”. Ou, como Martyanov, simplesmente, de “desintegração”. Especificamente, o livro examina a manifestação do processo desintegração nas seguintes esferas:
1. Consumo
2. Mobilidade social [ing. affluence(?)]
3. Geoeconomia
4. Energia
5. Produzir coisas
6. Elites ocidentais
7. Fracasso na corrida armamentista
8. Império Über Alles [al. “acima de tudo/todos”] (inclusive dos norte-americanos)
9. Ser ou Não Ser
10. Conclusão: Nem Excepcional, Nem Livre, nem Próspero… Nem EUA??
São títulos enlouquecedores, que não explicarei, porque realmente quero que a maior quantidade possível de pessoas leia o livro. Por quê?
Principalmente porque os dois primeiros livros de Martyanov enfrentavam, principalmente com questões militares e geoestratégicas; e esse terceiro livro vai muito além e considera as razões socioculturais mais amplas que criam o contexto para tão impressionantemente dramática carência de reais capacidades militares.
Há um mês escrevi artigo que intitulei “Zone B Exists, Thus There Is Hope, I Promise You!” [ing. “Zona B existe, portanto há esperança, juro!”], no qual tentei mostrar que a pseudo “realidade” na qual muita gente no Ocidente está sendo mantida presa é a mais efetiva (e insidiosa) máquina de propaganda de toda a história; que absolutamente não é a “realidade real”!
Não só isso, mas que a maior parte do planeta vive nessa “Zona B” já há bastante tempo. De fato, essa “Zona B” já avançou, mesmo que a mídia sionista jamais informe sobre ela.
Então… você pode pensar nos livros de Martyanov como o mais perfeito exemplo de “livro Zona B”. Martyanov não apenas desmascara muitos dos mitos da máquina de propaganda dos EUA; também contrasta essas fantasias com exemplos do mundo real.
É possível comprar um ou dois dos livros de Martyanov, e cada uma tem vida autônoma, mas realmente penso neles como trilogia que deve ser lida e discutida como tal, pelo maior número de pessoas possível, no ocidente. De fato, é possível pensar em cada um deles como uma espécie de específica “rota de colisão” até detonar as fantasias e mentiras e, então, poder voltar à realidade. A mensagem que percorre os três volumes é: “Povo dos EUA, suas elites governantes mentem para vocês, como a orquestra de câmara do Titanic que tocava, enquanto o “inafundável” Titanic afundava!”
Interessante também, Martyanov acrescenta que, mais que o resto do mundo, os russos compreendem bem esses processos, porque eles também sofreram o mesmo destino durante o “pesadelo democrático dos anos 1990s”. (Eu acrescentaria que descendentes de Russos Brancos como eu também recordam o “pesadelo democrático” sob o governo de Kerenski em 1917). Martyanov escreve:
“O colapso da União Soviética e a catástrofe econômica que se seguiu ensinou muito aos russos, e também lhes deixou na boca um travo da humilhação de ter perdido o poder – processo pelo qual passam os EUA precisamente agora.”
Verdade seja dita, Martyanov é dificilmente a primeira pessoa a mencionar as espantosas semelhanças entre a URSS dos anos 80s, ou a Rússia dos anos 90s, e os EUA das últimas duas décadas (ou mais). Por exemplo, Martyanov menciona Dmitry Orlov cujos muitos livros examinavam o que o autor chama de “estágios do colapso” (financeiro, econômico, político, social, cultural; adiante Orlov acrescentou “ecológico”) ideia que se tornou preciosa ferramenta analítica para muitos pesquisadores.[1] Décadas antes, Alexander Solzhenitsyn – que Martyanov detesta intensamente – também mencionou que o ocidente dos anos 80s fazia-o pensar na Rússia no início do século 20. Digo, só para ilustrar o parágrafo de Martyanov:
“Dito em termos leigos: os russos entendem. Diferentes de todos os demais povos do mundo, os russos conseguem relacionar-se com o que os EUA vivem hoje e conseguimos ler extremamente bem os sinais. A elite dos EUA não apenas jamais teve experiência semelhante, como, mais grave, vive numa bolha, isolada, distante demais daquela realidade, para compreender. É a tragédia dos EUA que se desenrola diante de nossos olhos. Não só a crise sistêmica dos EUA, mas a evidência de que as elites norte-americanas são incultas, mal educadas e vivem hipnotizadas ao longo de décadas de autopropaganda, que, no fim, as elites aceitam como se fosse a realidade.”[2]
Não poderia concordar mais. Acrescentaria também que os russos que escrevem livros e artigos tentam alertar o povo dos EUA para a real catástrofe que está em curso, não porque sejam hostis aos EUA, mas, precisamente, porque são muito simpáticos ao povo dos EUA. Os pseudopatriotas norte-americanos sacudidores de bandeirinhas que acusam aqueles russos de serem “anti-EUA” simplesmente não compreendem os “russos do mal” que tanto odeiam (principalmente porque a Rússia moderna sob Putin está sendo fantasticamente bem-sucedida, apesar de sanções, da ‘ameaça’, da subversão, etc., enquanto os EUA agonizam. Por isso essa gente deseja crer que todos são péssimos, não importa o quanto os ‘críticos’ mostrem-se evidentemente estúpidos sobre a Rússia e/ou Putin).
Sim, claro que os russos odeiam e desprezam a Nomenklatura governante nos EUA, como desprezaram a própria Nomenklatura soviética. Mas isso de modo algum implica o que muitos tomam, erradamente, por hostilidade “anti-norte-americana”.
[BARRA LATERAL: Em meus mais de 58 anos de vida, fui abençoado com a possibilidade de viajar muito, falar seis línguas, por aí, e nem assim algum dia encontrei o que eu chamaria de “anti-norte-americanismo”. Mesmo em países supostamente hostis aos EUA, o foco atual da ira e do desgosto do povo são as ações do Império Anglo-sionista, feio parasita que se alimenta dos EUA seu hospedeiro.Tome-se um país como, digamos, o Brasil. Ali sempre houve fortes sentimentos “anti-yankee”, mas músicos brasileiros são conhecidos pela maravilhosa fusão que operam entre a música norte-americana e a música brasileira (ouçam esse exemplo soberbo). O mesmo se vê noutros lugares: as pessoas odeiam as políticas dos EUA, mas raramente o povo dos EUA. Mesmo agora, a julgar pela comunidade de língua russa na Internet (Runet) e emails de amigos, os russos sentem mais piedade do povo dos EUA, não ódio, e isso porque “entendem” o que Martyanov afirma corretamente. Claro, há gente estúpida e/ou viciosa que odeia os EUA – e, isso, em todo o mundo – como país. Mas confio que sejam pequena minoria. Há contudo uma categoria interessante ainda a considerar: os que se tornaram críticos da sociedade dos EUA depois de terem vivido nos EUA; exemplo famoso seria Sayyid Qutb].
Nada disso visa a sanear toda a violência e a feiura da história dos EUA, curta, mas extremamente violenta. Mas violência e fealdade existem na história, provavelmente, de todos os países no planeta (certamente houve muita violência e fealdade na história da Rússia!). Verdade: os EUA são provavelmente um dos regimes mais sangrentos e violentos em toda a história, mas essa violência tem de ser atribuída ao imperialismo e ao capitalismo, não a algo de específico dos EUA (o Império Britânico foi possivelmente o mais criminosamente violento na história).
Ainda mais importante para compreender a história dos EUA é que muito da violência que ali se vê teve raízes não em questões nacionais ou raciais, mas nas muitas lutas sociais, ou, mais precisamente, nas lutas de classe que amargam a história dos EUA. Outra vez, discussões de questões de classe foram compreensivelmente apagadas de todos os livros na Zona A, privando os que tenham tido a má sorte de serem educados no ocidente de uma das mais importantes ferramentas para análise política e econômica.
A importância disso é máxima, razão pela qual Martyanov volta várias vezes ao tópico da educação de má qualidade das classes governantes ocidentais. Nas páginas finais de Disintegration, Martyanov escreve:
Assim, não há ideias ou soluções viáveis para a catástrofe econômica, social e cultural em curso que se possam originar dentro dessas elites, as quais veem o mundo só pelas lentes de Wall Street e do New York Times. Simplesmente não há naquelas elites nem intelecto, nem coragem, nem integridade reais: essas forças foram trocadas pelas regalias e sinecuras do que, para muitos é Washington, a ‘bolha’, cuja única meta na existência é a autoperpetuação.
Eu acrescentaria apenas que há uma ironia cármica no fato de que é precisamente porque essas classes têm a autoperpetuação como seu único propósito (além do consumo obcecado, digo eu) que se estão autoempurrando, e o país que elas exploram, para a extinção.
Conclusão: são livros de leitura obrigatória, para toda a Zona A! (e também para a Zona B!)
Por fim, é precisamente porque os livros de Martyanov são como “mensagens da Zona B, que insisto em que todos que vivam nos EUA e na União Europeia os leiam. Como disse, cada um dos livros é independente dos demais, mas juntos alcançam uma espécie de massa crítica intelectual que faz deles livros de leitura “obrigatória”, especialmente para quem odeie o regime comandado por aquelas elites, mas amam o próprio país.
São livros curtos, muito bem escritos, com índices decentes (embora não perfeitos) e de leitura fácil. Se você deseja um resumo soberbo do que *realmente* se passa nos EUA (e que é o oposto do que diz a propaganda anglo-sionista, digo francamente, risível; ou dos slogans mal-acabados, infantiloides, dos “patriotas à Trump” sacudidores de bandeirinhas) – leiam os livros de Martyanov. Se você tem amigos que já foram vítimas de lavagem cerebral, dê a eles qualquer um desses livros (ou, melhor, todos!): são como específica “rota de colisão, em matéria de estudos da realidade”. Se você tem familiares que ainda creem em todo o nonsense sobre o “excepcionalismo norte-americano”, desafie-os a ler Martyanov.
Pessoal que vive na Zone B muito tem a ganhar da leitura dos livros de Martyanov. Não porque encontrem ali muito de que já não saibam, pelo menos vagamente, mas porque são um muito confiável “Relatório de Situação” do estado em que estão hoje os EUA. Minha experiência ensina que muita gente (pelo menos os lidos e bem informados) na Zona B efetivamente já compreenderam que o Império está morto (ou muito perto disso) e sentem que os EUA vivem hoje massiva catástrofe interna. Mas a maioria do pessoal na Zone B ainda não consegue avaliar plenamente a magnitude e a severidade dessas crises. Os livros de Martyanov servirão também para abrir os olhos desses.
Por isso espero que todos os três livros de Martyanov sejam rapidamente traduzidos ao russo: serão best-sellers instantâneos e, o que é ainda mais importante, os livros serão lidos nas academias e universidades russas. E também espero que sejam traduzidos ao francês e ao espanhol.
Mas sobretudo espero (contra qualquer senso comum ou qualquer lógica) que os livros sejam lidos por funcionários e autoridades *realmente* patriotas dos EUA, por planejadores das forças, por analistas, tomadores de decisões políticas etc. Nesse momento há ameaça muito real de que todos esses acabem por tropeçar e cair diretamente em guerra de tiros com a Rússia, à qual os EUA jamais sobreviverão (nem a Rússia, nem o resto do mundo, claro).
Mas mesmo se por algum milagre essa guerra se mantiver não nuclear, os EUA serão destruídos, pelo menos como país funcional, pelas capacidades convencionais russas.
Esse é o maior perigo e possível desastre que autores como Martyanov tentam tão desesperadamente evitar: uma grande guerra provocada uma Nomenklatura governante, mas sem rumo, que envolverá um país (os EUA) que junca em sua história guerreou guerra defensiva e que tampouco algum dia conhecer guerra real – especialmente contra adversário competente.
Só posso acrescentar que, em caso de guerra convencional, a Rússia hoje tem os meios para defender não só o próprio espaço aéreo, mas também uma “zona russa próxima das fronteiras” de cerca de 800km-1.000km (e espaço que não para de crescer). Os EUA não têm essa capacidade. Tampouco, a EU ou a OTAN. E, apesar das promessas completamente delirantes do Complexo Militar Industrial plus Pentágono, de mísseis com máximas fantásticas miraculosas capacidades, essa situação não mudará no curto nem no médio prazo.
Quanto mais e melhor o povo dos EUA conscientizar-se dessa realidade, maiores as chances de evitar uma catástrofe. Daí a importância e a oportunidade dos livros de Andrei Martyanov.
[assina] The Saker[1] Ver, dentre outros artigos de Dmitry Orlov traduzidos: 11/1/2019, “Analisando o colapso contínuo dos EUA”, Dmitry Orlov, in The Vineyard of the Saker (Trad. btpsilveira, em Blog do Alok); e 20/2/2019, “Os cinco estágios do colapso, atualização 2019”, Dmitry Orlov (Trad. Blog do Alok) [NTs].
[2] A ideia aparece também em artigo de Alistair Crooke, em Stragegic Culture Foundation: “15/2/2021, Alastair Crooke, Strategic Culture Foundation (ing.): “As elites ocidentais acabaram por crer na própria narrativa – esquecendo-se de que foi pensada como ilusão e artifício, criada para capturar a imaginação dentro de cada respectiva sociedade” (em tradução para o Blog Bacurau Homenagem ao Filme).
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