South America

Movimento da China em Hong Kong ilustra fim da superioridade dos EUA

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22/5/2020, Moon of Alabama

Culpar a China pela pandemia de Covid-19 é erro e mentira. Mas os EUA continuam a fazer precisamente isso, como parte de sua estratégia maior anti-China.

Com os EUA ainda ocupados tentando dar combate à pandemia em casa, a China dentro de suas fronteiras já derrotou a mesma pandemia. Atualmente, a China usa o mesmo impulso, para resolver uma questão que os EUA durante muito tempo usaram para atazanar os chineses. Hong Kong será afinal libertada do jugo de seus apoiadores norte-americanos racistas fantasiados de liberais.

No final de 1984, Grã-Bretanha e China assinaram um acordo formal que aprovou a entrega à China, em 1997, de Hong Kong, colônia britânica. A Grã-Bretanha teve de aceitar o pacto, porque perdera capacidades para defender a colônia. A Declaração Conjunta Sino-Britânica estipulava que a China criaria uma lei formal que permitiria que Hong Kong, em larga medida, se autogovernasse.

A Lei Básica da Região Administrativa Especial de Hong Kong da República Popular da China [ing. Basic Law of the Hong Kong Special Administrative Region of the People’s Republic of China] é a constituição de facto da Região Administrativa Especial de Hong Kong. Mas é lei nacional da China adotada pelo Congresso Nacional do Povo Chinês em 1990 e introduzida em Hong Kong em 1997 depois que os britânicos saíram. Sendo necessário, a lei pode ser modificada.

O Capítulo II da Lei Básica regula o relacionamento entre as Autoridades Central e a Região Administrativa Especial de Hong Kong. O Artigo 23 [ing.] da Lei Básica estipula que Hong Kong terá de implementar algumas medidas para segurança interna:

A Região Administrativa Especial de Hong Kong deve aprovar leis próprias para proibir quaisquer atos de traição, secessão, sedição, subversão contra o Governo Popular Central, ou o roubo de segredos de estado, para proibir organizações ou corpos políticos estrangeiros de conduzir atividades políticas na Região, e para proibir organizações ou corpos políticos da Região de estabelecer laços com organizações ou corpos políticos estrangeiros.

Hong Kong não criou nenhuma das leis exigidas pelo Artigo 23. Cada vez que o governo tentou implantar as tais leis, mesmo que parcialmente, em 2003, 2014 e 2019, foi impedido por protestos e tumultos de grandes dimensões nas ruas de Hong Kong.

A China sempre se preocupou com os tumultos comandados do exterior em Hong Kong, mas não pressionou enquanto ainda dependia de Hong Kong para acesso a dinheiro e mercados.

Em 2000, o PIB de Hong Kong chegou a $171 bilhões, enquanto o da China foi apenas sete vezes maior, de $1,200 trilhão. Ano passado o PIB de Hong Kong quase dobrou e chegou a $365 bilhões. Mas o PIB da China já crescera mais de dez vezes e alcançou $14,200 trilhões, quase 40 vezes maior que o de Hong Kong. Expressa em PPC (paridade do poder de compra; ing. PPP), a diferença é ainda mais impressionante. Como outlet econômico para a China, Hong Kong perdeu toda a importância.

Outro fator que manteve a China distante de intrometer-se mais profundamente em Hong Kong foi a preocupação com consequências negativas advindas dos EUA e da Grã-Bretanha. Mas no governo Trump, os EUA introduziram mais e mais medidas para boicotar o desenvolvimento da China. A Lei de Direitos Humanos e Democracia em Hong Kong (ing. Hong Kong Human Rights and Democracy Act) aprovada ano passado no Congresso dos EUA exige que o governo dos EUA supervisione Hong Kong e puna todos que os EUA considerem violadores de direitos humanos. As sanções contra empresas chinesas e especialmente contra Huawei, expandiram-se recentemente para um já total bloqueio econômico de entregas de chips 5G para aquela empresa – o que deixa ver que os EUA farão absolutamente qualquer coisa para boicotar o sucesso econômico da China.

O tal “pivô para a Ásia” do governo Obama já era movimento de certo modo ainda disfarçado, contra a China. A Estratégica de Defesa Nacional [ing. National Defense Strategy] do governo Trump declarou abertamente que a China seria “concorrente estratégico que usa economia predatória para intimidar vizinhos, ao mesmo tempo em que militariza as relações no Mar do Sul da China”.

O Marine Corps dos EUA está sendo reconfigurado em unidades especialmente projetadas para bloquear o acesso da China, ao mar:

Assim, pequenas forças dos Marine se posicionarão em torno das ilhas da primeira cadeia de ilhas e do Mar do Sul da China, cada elemento com a capacidade para contestar o espaço aéreo e naval usando mísseis antiaéreos e antinavios. Coletivamente, essas forças atritarão forças chinesas, vão inibi-las de avançar e, afinal, como parte de uma campanha conjunta, as empurrarão de volta para território chinês.

A ‘Guerra Fria 2.0’ que os EUA lançaram contra a China passa agora a conhecer significativos contramovimentos.

Os violentos tumultos do ano passado em Hong Kong, aplaudidos pelo borg em Washington DC, demonstraram que o desenvolvimento em Hong Kong está num mau caminho, que pode gerar perigos para a China.

Já não há razão para que a China se autocontenha, na repressão àquela loucura. A economia de Hong Kong já não é relevante. As sanções dos EUA estão chegando independentes do que a China faça ou deixe de fazer em Hong Kong. Os planos dos militares dos EUA são agora uma óbvia ameaça.

Dado que as leis que Hong Kong devia implantar não estão aparecendo, a China agora vai criá-las e implementá-las, ela mesma:

O governo central deve apresentar uma resolução na 6ª-feira para capacitar a mais alta hierarquia de seu corpo legislativo, o Comitê Central do Congresso Popular Nacional [ing. Standing Committee of the National People’s Congress (NPC)], a construir e aprovar uma nova lei de segurança nacional especialmente talhada para Hong Kong – como foi anunciado no fim da 5ª-feira.

Fontes informaram ao Post que a nova lei proibirá atividade secessionista e subversiva, bem como qualquer interferência estrangeira e terrorismo na cidade – todos os desenvolvimentos que têm causado problemas a Pequim já há algum tempo, mas pressionaram mais ao longo do ano passado, com protestos antigoverno cada vez mais violentos.

Segundo fonte chinesa familiar com assuntos de Hong Kong, Pequim chegou à conclusão de que seria impossível para o Conselho Legislativo da cidade aprovar legislação que satisfizesse o artigo 23 da Lei Básica da cidade, dado o clima político. Por isso a solução de se voltar para o Congresso Popular Nacional, para que assuma a responsabilidade.

Dia 28 de maio, o Congresso Nacional Popular votará uma resolução solicitando ao Comitê Central que redija a lei relevante para Hong Kong. É provável que a lei seja promulgado e entre em vigência no final de junho. A lei será parte do Anexo III da Lei Básica que lista as “Leis Nacionais a Ser Aplicadas na Região Administrativa Especial de Hong Kong” [ing. National Laws to be Applied in the Hong Kong Special Administrative Region].

Sob a nova lei, os EUA terão de parar de financiar organizações estudantis, sindicatos antigoverno e organizações de mídia em Hong Kong. Os partidos de oposição não mais poderão manter relações com operações norte-americanas para influenciar a opinião pública ou grupos determinados, em HongKong.

O Departamento de Estado dos EUA condenou imediatamente a medida:

Hong Kong floresceu como bastião da liberdade. Os EUA insistem fortemente em que Pequim reconsidere sua proposta desastrosa, que cumpra seus deveres internacionais e que respeite o alto grau de autonomia de Hong Kong, suas instituições democráticas e liberdades civis, que são chaves para que preserve seu status especial nos termos da lei dos EUA. Qualquer decisão que agrida a autonomia e as liberdades de Hong Kong como garantidas pela Declaração Conjunta Sino-britânica e pela Lei Básica impactará inevitavelmente nossa avaliação de Um País, Dois Sistemas e o status do território.

Estamos com o povo de Hong Kong.

Não é (ainda?) A Próxima Guerra Contra a China [ing. The Coming War On China (vídeo), mas alguma malfadada provocação que por enquanto é forte na retórica, mas com pequeno efeito. Nenhuma ação dos EUA conseguirá impedir o governo da China de proteger o próprio território. Hong Kong é cidade chinesa onde, supremas e vigentes, só as leis chinesas, não os dólares norte-americanos.

Os EUA parecem crer que poderiam vencer uma guerra fria contra a China. Esse entendimento é errado.

No front econômico, não se trata de os EUA vencerem ao se separar da China. Trata-se, isso sim, de a Ásia estar-se separando dos EUA:

Desde que começou a guerra tech EUA-China em abril de 2018, com os EUA proibindo a exportação de chips para a ZTE Corporation chinesa, a “des-norte-americanização das cadeias de suprimentos” tem sido palavra sempre presente na indústria de semicondutores.

Taiwan, Vietnã, Tailândia e Indonésia compraram cerca de 50% a mais em produtos chineses em abril de 2020 que no mesmo mês, ano passado. Japão e Coreia exibiram 20% de ganhos. Exportações para os EUA cresceram ano após ano, mas de uma base muito baixa em 2019.

As importações chinesas, da Ásia, também cresceram acentuadamente.

Quando os EUA proíbem empresas que usam software ou máquinas norte-americanas que desenham e produzem chips, de vendê-los para a China, aquelas empresas buscam comprar noutro lugar os mesmos software e máquinas. Quando os EUA tentam fechar o acesso da China a chips de computadores, a China cria sua própria indústria de chips. Dentro de dez anos os EUA terão perdido acesso às empresas mais modernas de então, e todos os mais modernos chips já virão da China. Já hoje, a China já domina o comércio mundial.

O modo caótico como os EUA lidam com sua crise de Covid-19 está sendo observado em todo o mundo. Os que veem com clareza já sabem que a superpotência confiável hoje é a China, não os EUA (“Caso mais de colapso do Império, que de Guerra Fria 2.0“). Os EUA estão esgotados e assim continuarão, ainda por muito tempo:

Por isso não vejo a conversa sobre uma possível “Guerra Fria 2.0” como significativa ou relevante. Qualquer tipo de “guerra fria” entre EUA e China indicaria que os decisores políticos americanos ainda seriam capazes de começar a planejar de forma crível um modo de administrar essa complexa relação com a China. Mas, na realidade, as opções para “administrar” o núcleo dessa relação são lamentavelmente poucas, uma vez que a tarefa central de qualquer liderança dos EUA que surja desse pesadelo que é Covid-19 será administrar o colapso precipitado do império globalizado em cujo topo os EUA estiveram sempre, desde 1945.

Por isso digo, aqui em Washington, na Primavera de 2020: “Deixem que os norte-americanos bufem e soprem em seus novos surtos de sinofobia infantil”. Deixem que ameacem com essa ou aquela versão de alguma nova “Guerra Fria”. Deixem-que disputem eleições – se houver eleições – em termos de “Quem será mais duro com a China?”. A fria realidade mostra que essa conversa, como disse Banquo, não passa de “história contada por um idiota, cheia de som e fúria, que significa nada”.

Em seu livro de 2003, Depois do Império [pdf] (After the Empire) Emmanuel Todd explicou o porquê de os EUA estarem caminhando rumo à perda do status de superpotência:

Todd calmamente e de modo bem direto lista várias tendências negativas, incluindo o enfraquecimento do compromisso com a integração socioeconômica de afro-norte-americanos; uma economia bulímica que cada vez mais depende de fumaça e espelhos da ‘boa-vontade’ de investidores estrangeiros, e uma política externa que desperdiça as reservas de soft power do país, enquanto seu comportamento militarista de incendiário-bombeiro enfrenta resistência cada vez maior.

A crise da pandemia Covid-19 pôs tudo isso a nu, à vista de todos.

Será que, como Todd previu, os EUA terão agora de ceder seu status de superpotência? Ou iniciarão uma grande guerra contra a China, para desviar as atenções e tentar provar alguma sua ainda suposta superioridade?*******

Foto: Getty

QNavy
QNavy is a pool of 3 former Navy Officers, U.S. Navy & French Navy, who served proudly their countries, specialized in conflict analysis as per their respective skills & experience on Special Ops. #NavyVetUnited

China: um país, duas sessões, três ameaças

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