South America

75º aniversário da Grande Vitória: Responsabilidade Partilhada frente à História e ao nosso Futuro

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Permitam-me que cite outro documento. Trata-se de um relatório de Fevereiro de 1945 sobre a reparação a ser cobrada da Alemanha, elaborado pela Comissão Aliada para as Reparações, chefiada por Ivan Maisky. A tarefa da Comissão consistia em definir uma fórmula segundo a qual a Alemanha derrotada teria de pagar os danos sofridos pelas potências vencedoras. A Comissão concluiu que “o número de dias de soldados passados pela Alemanha na frente soviética é pelo menos dez vezes superior ao de todas as outras frentes aliadas”. A frente soviética teve também de lidar com quatro quintos dos tanques alemães e cerca de dois terços dos aviões alemães”. No conjunto, a URSS foi responsável por cerca de 75% de todos os esforços militares empreendidos pela Coligação Anti-Hitler. Durante o período de guerra, o Exército Vermelho “deteve” 626 divisões dos Estados do Eixo, das quais 508 eram alemãs.

Em 28 de Abril de 1942, Franklin D. Roosevelt afirmou em discurso à nação americana: “Essas forças russas destruíram e estão destruindo mais poder armado dos nossos inimigos – tropas, aviões, tanques e armas – do que todas as outras Nações Unidas juntas”. Winston Churchill, na mensagem a Joseph Stalin de 27 de Setembro de 1944, escreveu que “foi o exército russo que arrancou as entranhas da máquina militar alemã…”.

Essa avaliação ressoou em todo o mundo. Porque essas palavras são a grande verdade, da qual ninguém então duvidou. Quase 27 milhões de cidadãos soviéticos perderam a vida nos fronts, nas prisões alemãs, morreram de fome e foram bombardeados, morreram em guetos e fornos dos campos de morte nazistas. A URSS perdeu um em cada sete dos seus cidadãos; o Reino Unido perdeu um de cada 127, e os EUA perderam um de cada 320 cidadãos. Infelizmente, esse não é o número total definitivo das perdas mais difíceis e dolorosas da União Soviética. O trabalho meticuloso deve prosseguir para restaurar os nomes e destinos de todos os que pereceram – soldados do Exército Vermelho, partidários, combatentes clandestinos, prisioneiros de guerra e campos de concentração, e civis mortos pelos esquadrões da morte. Esse é dever nosso. Papel especial coube aqui aos membros do movimento de busca, associações militares patrióticas e voluntárias, projetos como a base de dados eletrônica “Pamyat Naroda” (Memória do Povo), que contém documentos de arquivo. E, certamente, é necessária uma estreita cooperação internacional para levar a cabo tarefa humanitária que interessa a todos.

A vitória foi resultado dos esforços de todos os países e povos que lutaram contra um inimigo comum. O exército britânico protegeu sua pátria da invasão, lutou contra os nazistas e seus satélites no Mediterrâneo e no Norte de África. As tropas norte-americanas e britânicas libertaram a Itália e abriram a 2ª Frente. Os Estados Unidos fizeram ataques poderosos e esmagadores contra o agressor no Oceano Pacífico. Recordamos os enormes sacrifícios feitos pelo povo chinês e seu grande papel na derrota dos militaristas japoneses. Não esqueçamos os combatentes da Fighting France, que não caíram na vergonhosa capitulação e continuaram a lutar contra os nazistas.

Seremos também sempre gratos pela assistência que recebemos dos Aliados, no fornecimento de munições, matérias-primas, alimentos e equipamento ao Exército Vermelho. E essa ajuda foi significativa – cerca de 7% do total da produção militar da União Soviética.

O núcleo da Coligação Anti-Hitler começou a tomar forma imediatamente após o ataque à União Soviética, onde os Estados Unidos e a Grã-Bretanha a apoiaram incondicionalmente na luta contra a Alemanha de Hitler. Na Conferência de Teerã, em 1943, Stálin, Roosevelt e Churchill formaram uma aliança de grandes potências, concordaram em elaborar uma diplomacia de coligação e uma estratégia conjunta na luta contra uma ameaça mortal comum. Os líderes dos Três Grandes tinham um claro entendimento de que a unificação das capacidades industriais, de recursos e militares de URSS, EUA e Reino Unido dariam supremacia incontestada sobre o inimigo.

A União Soviética cumpriu plenamente as obrigações que tinha com seus aliados e ofereceu sempre uma mão amiga. Assim, o Exército Vermelho apoiou o desembarque das tropas anglo-americanas na Normandia, levando a cabo uma Operação Bagration, de grande escala, na Bielorrússia. Em Janeiro de 1945, depois de terem atravessado o rio Oder, nossos soldados puseram fim à última ofensiva poderosa da Wehrmacht na Frente Ocidental na [floresta de] Ardennes. Três meses após a vitória sobre a Alemanha, a URSS, em plena conformidade com os acordos de Ialta, declarou guerra ao Japão e derrotou o exército de Kwantung, de um milhão de soldados.

Em Julho de 1941, os dirigentes soviéticos declararam que “o objetivo da guerra contra os opressores fascistas não era apenas eliminar a ameaça que pairava sobre o nosso país, mas também ajudar todos os povos da Europa que sofriam sob o jugo do fascismo alemão”.

Em meados de 1944, o inimigo foi expulso de praticamente todo o território soviético. Mas o inimigo tinha de ser destruído no seu covil. E assim o Exército Vermelho iniciou a sua missão de libertar a Europa. Salvou nações inteiras da destruição e do escravizamento, e do horror do Holocausto. Foram salvas à custa de centenas de milhares de vidas de soldados soviéticos.

É igualmente importante não esquecer a enorme assistência material que a URSS prestou aos países libertados, para eliminar a ameaça da fome e para reconstruir as respectivas economias e infraestruturas. Essas medidas já estavam implantadas, enquanto as cinzas ainda cobriam milhares de quilômetros, de Brest até Moscou e ao Volga. Por exemplo, em Maio de 1945, o Governo austríaco pediu assistência alimentar à URSS, uma vez que “não tinha ideia de como alimentar a própria população nas sete semanas antes da nova colheita”. O Chanceler do Governo Provisório da República Austríaca, Karl Renner, descreveu o consentimento dos dirigentes soviéticos para enviar alimentos como ato de salvação que os austríacos nunca esqueceriam.

Os Aliados criaram conjuntamente o Tribunal Militar Internacional para punir os criminosos políticos e de guerra nazistas. Suas decisões incluíam clara qualificação jurídica de crimes contra a humanidade – dentre os quais genocídio, limpeza étnica e religiosa, antissemitismo e xenofobia. O Tribunal de Nuremberg condenou também diretamente e sem ambiguidades os cúmplices dos nazistas, colaboradores de vários tipos.

Esse fenômeno vergonhoso manifestou-se em todos os países europeus. Figuras como Pétain, Quisling, Vlasov, Bandera, seus capangas e seguidores – embora disfarçados de combatentes pela independência nacional ou de resistentes contra o comunismo – são traidores e carniceiros. Em termos de desumanidade, frequentemente excederam o mal de seus senhores. No desejo de servir, como parte de grupos punitivos especiais, executaram de boa vontade as ordens mais desumanas. Foram responsáveis por acontecimentos sangrentos como o tiroteio de Babi Yar, o massacre de Volhynia, incendiaram Khatyn, destruíram judeus na Lituânia e na Letônia.

Nossa posição permanece inalterada até hoje. Não pode haver desculpa para os atos criminosos dos colaboradores nazistas, não há limitação de tempo para eles.

É, pois, desconcertante que, em certos países, os que se imiscuíram na cooperação com os nazistas passem repentinamente a ser equiparados a veteranos da 2ª Guerra Mundial.

Entendo que é inaceitável equiparar libertadores a ocupantes. Só posso considerar a glorificação dos colaboradores nazistas como traição à memória dos nossos pais e avôs –, traição aos ideais que uniram os povos na luta contra o nazismo.

Nessa altura, os dirigentes da URSS, dos EUA e do Reino Unido enfrentaram, sem exagero, uma tarefa histórica. Stálin, Roosevelt e Churchill representavam países com ideologias, aspirações de Estado, interesses, culturas diferentes, mas demonstraram poderosa vontade política, ergueram-se acima das contradições e preferências e punham em primeiro plano os verdadeiros interesses da paz. Como resultado, conseguiram chegar a um acordo e alcançar solução da qual se beneficiou toda a humanidade.

As potências vencedoras deixaram-nos um sistema que é a quintessência da busca intelectual e política de vários séculos. Uma série de conferências – Teerã, Ialta, São Francisco e Potsdam – lançaram as bases de um mundo que viveu 75 anos sem conflagração mundial, apesar das mais profundas contradições.

O revisionismo histórico, cujas manifestações hoje observamos no Ocidente, sobretudo no que respeita ao tema da 2ª Guerra Mundial e aos seus resultados, é perigoso, porque distorce grosseira e cinicamente o significado dos fundamentos do desenvolvimento pacífico, estabelecidos nas conferências de Ialta e São Francisco em 1945.

O grande feito histórico de Ialta e de outras cúpulas da época é o acordo para criar um mecanismo que permitiria às principais potências permanecerem no quadro da diplomacia, para resolverem divergências.

O século XX trouxe conflitos globais em grande escala e abrangentes e, em 1945, entraram também em cena armas nucleares capazes de destruir fisicamente a Terra. Em outras palavras, a via da força para resolver conflitos tornou-se proibitivamente perigosa. Os vitoriosos da 2ª Guerra Mundial bem o compreenderam. Compreenderam e conscientizaram-se da responsabilidade que passavam a ter na preservação da humanidade.

A tradição de cautela da Liga das Nações foi tida em conta em 1945. A estrutura do Conselho de Segurança da ONU foi desenvolvida de modo a tornar as garantias de paz tão concretas e eficazes quanto possível. Assim nasceu a instituição dos membros permanentes do Conselho de Segurança e o direito de veto, como seu privilégio e responsabilidade.

O que é o poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas? Para dizer sem rodeios: é a única alternativa razoável a um confronto direto entre os grandes países. É a declaração, por uma das cinco potência, que uma decisão é inaceitável para ele e contrária aos seus interesses e às suas ideias sobre a abordagem correta. E outros países, mesmo que não estejam de acordo, tomam essa posição como fato consumado, abandonando quaisquer tentativas de levar adiante seus esforços unilaterais. Significa que, de uma forma ou de outra, é necessário ceder.

Um novo confronto global começou quase imediatamente após o fim da 2ª Guerra Mundial e foi, por vezes, muito feroz. E o fato de a Guerra Fria não se ter transformado na 3ª Guerra Mundial tornou-se um testemunho claro da eficácia dos acordos celebrados pelos Três Grandes. As regras de conduta acordadas durante a criação das Nações Unidas tornaram possível minimizar ainda mais os riscos e manter o confronto sob controle.

Evidentemente, podemos constatar que o sistema das Nações Unidas experimenta atualmente uma certa tensão e não é tão eficaz quanto poderia ser. Mas a ONU continua a desempenhar a sua função principal. Os princípios do Conselho de Segurança das Nações Unidas são mecanismo único para evitar guerra de grandes proporções ou um conflito global.

Os apelos que têm sido feitos com bastante frequência nos últimos anos no sentido de abolir o poder de veto, de negar oportunidades especiais aos membros permanentes do Conselho de Segurança, são, na verdade, irresponsáveis. Afinal de contas, se acontecer, as Nações Unidas tornar-se-ão, na sua essência, a Liga das Nações – reunião para conversas vazias, sem qualquer influência sobre os processos mundiais. E sabemos bem como acabou. Por isso as potências vencedoras abordaram a formação do novo sistema da ordem mundial com a máxima seriedade, procurando evitar que se repetissem os erros cometidos pelos seus antecessores.

A criação do moderno sistema de relações internacionais é um dos principais resultados da 2ª Guerra Mundial. Nem as contradições mais intransponíveis – geopolíticas, ideológicas, econômicas – impedem-nos de encontrar formas de coexistência e interação pacíficas, se houver o desejo e a vontade de o fazer. O mundo atravessa hoje um período bastante turbulento. Tudo está mudando, do equilíbrio global de poder e influência até os fundamentos sociais, econômicos e tecnológicos das sociedades, nações e mesmo de continentes. Em épocas passadas, mudanças de tal magnitude quase nunca aconteceram sem grandes conflitos militares. Sem uma luta de poder para construir uma nova hierarquia global. Graças à sabedoria e clarividência das figuras políticas das Potências Aliadas, foi possível criar um sistema que se autoimpediu de manifestações extremas dessa competição objetiva, historicamente inerente ao desenvolvimento mundial.

É dever nosso – de todos aqueles que assumem a responsabilidade política e, sobretudo, dos representantes das potências vencedoras da 2ª Guerra Mundial – garantir a manutenção e o aprimoramento desse sistema. Hoje, como em 1945, é importante demonstrar vontade política e discutir o futuro em conjunto. Os nossos colegas – senhores Xi Jinping, Macron, Trump e Johnson – apoiaram a iniciativa russa de realizar uma reunião dos líderes dos cinco Estados detentores de armas nucleares, membros permanentes do Conselho de Segurança. Somos gratos a eles por isso e esperamos que essa reunião presencial possa ter lugar o mais rapidamente possível.

Qual é a nossa visão sobre a agenda da próxima reunião de cúpula? Em primeiro lugar, na nossa opinião, seria útil discutir medidas para desenvolver princípios coletivos nos assuntos mundiais. Falar francamente das questões de preservar a paz, de reforçar a segurança global e regional, de fazer o controle das armas estratégicas, dos esforços conjuntos na luta contra o terrorismo, o extremismo e outros grandes desafios e ameaças.

Ponto especial da agenda da reunião é a situação da economia mundial. E, sobretudo, a superação da crise econômica provocada pela pandemia de coronavírus. Os nossos países têm tomado medidas sem precedentes para proteger a saúde e a vida das pessoas e para apoiar os cidadãos que se viram em situações de vida difíceis. Nossa capacidade de trabalhar em conjunto e em concertação, como verdadeiros parceiros, mostrará a gravidade do impacto da pandemia e a rapidez com que a economia global emergirá da recessão. Além disso, é inaceitável transformar a economia em instrumento de pressão e de confronto. As questões populares incluem a proteger o ambiente e resistir aos efeitos da mudança climática, bem como garantir a segurança do espaço global da informação.

A agenda proposta pela Rússia para a próxima reunião cimeira dos Cinco é extremamente importante e relevante tanto para os nossos países como para o mundo inteiro. Temos ideias e iniciativas específicas sobre todos os pontos.

Não há dúvida de que a Reunião de Cúpula de Rússia, China, França, dos EUA e Reino Unido desempenhará papel importante para que se encontrem respostas comuns aos desafios e ameaças atuais e demonstrará um empenho comum no espírito de aliança, nos elevados ideais e valores humanistas pelos quais os nossos pais e avós lutaram ombro a ombro.

Com base numa memória histórica partilhada, podemos confiar uns nos outros e devemos fazê-lo. Essa será uma base sólida para o êxito das negociações e da ação concertada com vista a reforçar a estabilidade e a segurança no planeta, em prol da prosperidade e do bem-estar de todos os Estados. Sem exageros, é nosso dever e responsabilidade comum para com os povos do mundo, para com as gerações presentes e futuras.*******


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