South America

Fracassa a campanha dos EUA para enfraquecer o “Eixo da Resistência” pró-Irã

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9/12/2019, Moon of Alabama

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Quando o primeiro-ministro de Israel Benjamin Netanyahu foi indiciado por vários crimes, nós previmos que ele se tornaria mais perigoso:

Netanyahu lutará com unhas e dentes para ganhar e manter sua imunidade. Tentará deslegitimar o Judiciário e usará qualquer truque que encontre à mão, para permanecer no governo.

Assim se torna ainda mais perigoso do que usualmente.

Pode até decidir fazer ‘algo’, tipo iniciar uma grande guerra para impedir que o removam do poder.

Líbano, Síria e Irã devem tomar cuidado.

Agora o ex-agente do MI6 e diplomata Alastair Crooke detecta uma nova tentativa dos israelenses* para instigar uma guerra contra o Irã:

“É uma oportunidade histórica”, sussurrou um dos insiders do grupo de Netanyahu no ouvido de Ben Caspit (conhecido jornalista israelense)” essa semana (…).

Que história seria essa? Por que seis meses? Ora… Caspit destaca: “O pessoal de Netanyahu, tendo à frente o ministro Yuval Steinitz, diz claramente que está para irromper uma guerra de amplo alcance, nos próximos seis meses, entre Irã e seus adversários na região, incluído Israel”. E o novo ministro da Defesa, Bennett, ameaça o Irã praticamente todos os dias.

“Talvez Netanyahu precise de uma guerra com o Irã, para sobreviver politicamente” – disse a Caspit um dos líderes da Aliança Azul e Branco em Israel. “É assustador e perigoso…” .

Nisso, não há qualquer novidade. Netanyahu conspira há anos para instigar uma guerra dos EUA contra o Irã. Mas até aqui tampouco há qualquer razão para que os EUA façam guerra ao Irã. Para que haja guerra, é indispensável uma narrativa, uma história que possa ser vendida ao povo que terá de pagar pela guerra [e morrer nela]. Crooke vê uma narrativa possível, para essa finalidade, nos recentes tumultos de rua no Irã e em outros pontos:

“Aqui está, do jornal israelense Haaretz: ‘Por muito tempo pareceu que seria impossível deter a expansão da influência do Irã por todo o Oriente Médio. Agora, toda a empreitada iraniana em busca da hegemonia está sob risco. Há protestos no Iraque e no Líbano, que se arrastam por semanas, que já quase paralisaram a economia desses países, e já levaram à renúncia de primeiros-ministros aprovados pelo Irã. Os protestos não dão sinal de arrefecer e não se vê solução à vista…’.

Daí, portanto, a tentativa dos israelenses de fazer avançar a ideia de que hoje – precisamente – seria o momento para os EUA agirem contra o Irã. Esse é o movimento liderado pelo recém-nomeado Ministro da Defesa, Bennet. E essa é a narrativa pró-guerra.”

Assim sendo, a ideia é que os tumultos em curso nos países do ‘Eixo da Resistência’ – Líbano, Síria, Iraque e Irã – teriam enfraquecido o Irã, a tal ponto que o país poderia ser atacado.

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Rápido exame de cada um desses países mostra, contudo, que a narrativa do enfraquecimento é pouco verossímil.

O Líbano enfrenta crise monetária, porque os EUA cortaram as remessas de dinheiro de expatriados para o país (cerca de $8 bilhões/ano). Esse movimento disparou o colapso de um esquema fraudulento de que se serviam os ricos no Líbano para aumentar a dívida pública, enquanto canalizavam o dinheiro do estado, passando pelo Banco Central do Líbano, para os bolsos dos próprios ricos:

O Banco do Líbano emitiu papéis do Tesouro com altas taxas de juros; grande parte dessa dívida foi comprada por outros bancos libaneses. Jad Chaaban, professor da Universidade Americana em Beirute, descobriu que “indivíduos intimamente ligados a elites políticas controlam 43% dos ativos no setor dos bancos comerciais no Líbano.” Também calculou que, para tomar um exemplo, a família Hariri ganhou $108 milhões, entre 2006 e 2015 de juros sobre a dívida pública.

A ideia por trás das sanções norte-americanas foi ferir economicamente o Hizbullah, instigar uma guerra civil contra Partido e tirá-lo do governo do Líbano. Mas o esquema falhou. Enquanto a libra libanesa perdia cerca de 40% de seu valor, o Hizbullah aumentou os salários pagos ao seu pessoal:

Hoje, nenhum cidadão libanês pode dispor da própria poupança ou de ativos depositados em bancos, porque há restrições a retiradas, efetivo “controle de capitais”. Só pequenas quantias podem ser entregues a correntistas – cerca de $150-300 por semana, num país onde predominam os pagamentos em espécie. Ninguém pode transferir qualquer quantia para o exterior, exceto para pagar taxas universitárias ou demandas especiais de bens de importação de primeiras necessidade.

Mesmo assim, o Hezbollah, principal alvo de EUA-Israel, não foi afetado diretamente pelas sanções dos EUA e por novas restrições financeiras. Militantes foram pagos, como no caso, mensalmente, em EUA-dólares, com aumento de 40% (devido à desvalorização da moeda local), com os cumprimentos do “Tio Sam”.

(Dado que muitos bancos e indústrias sírios usaram o sistema bancário libanês, o aperto de moeda no Líbano também levou a forte queda na libra síria. É problema para a Síria, mas os aliados ajudarão a minorar os piores efeitos.)

As sanções dos EUA contra o Líbano falharam, no sentido de que não tiveram os efeitos desejados. Não haverá guerra civil contra o Hizbullah. O grupo e seu arsenal de mísseis, que operam como fator de contenção contra Israel, estão tão a postos como sempre.

Os protestos no Iraque são genuínos e derrubaram o governo. Mas a tentativa dos EUA, de usar esses tumultos contra as Forças de Mobilização Popular (al-ashd ash-Sha’bi) criadas em 2014 pelo Irã para derrotar o Estado Islâmico, também é tentativa fracassada. A posição dos EUA no Iraque é fraca. De modo algum tem força para se sobrepor à influência do Irã:

O presidente Barham Salih iniciou conversações imediatamente depois da renúncia de Abdul-Mahdi, em rodadas com diferentes blocos políticos. O general iraniano Qassim Soleimani, comandante da Força Quds, e arquiteto de seu aparato de segurança regional, também veio a Bagdá para se reunir com oficiais chaves.

Bases militares dos EUA no Iraque estão cada dia mais gravemente sob fogo.

Protestos genuínos contra os preços do combustível no Irã foram seguidos, logo um dia depois, por ataques disparados prematuramente por grupos clandestinos contra a infraestrutura do país e contra bancos. O Irã reagiu imediatamente para eliminar os tais grupos. Como Crooke narra o processo:

“As forças de segurança reagiram militarmente – prendendo e matando muitos insurgentes. E sim – a internet foi bloqueada. Mas não a internet iraniana interna – só a internet global. Implica dizer que o equivalente iraniano de WhatsApp e Telegraph e os canais iranianos de notícias continuaram operantes e acessíveis – mesmo com a internet global bloqueada. A fúria no além-mar, ao constatar que a internet global fora derrubada, refletiu, provavelmente, surpresa e irritação, quando descobriram que o Irã controlava os meios para exercer essa capacidade. Provavelmente, imaginavam que esses meios não seriam acessíveis ao Irã.

Tudo isso considerado, o que, afinal, estava acontecendo? 

Tudo sugere que o governo iraniano já soubesse de planos para encenar ataques ‘de ativistas’, como parte de um plano de subversão (formulado e financiado de fora do país). Mas aquele plano original indicaria que as ações começariam logo no início do próximo ano.

O que parece ter acontecido é que quando começaram os protestos depois do aumento dos preços do combustível, os tais ‘ativistas’ receberam ordem para agir e ‘aproveitar o momento’. Em outras palavras, ativaram, antes do momento previsto, planos que já estavam preparados. Foi exatamente o que as forças de segurança do Irã queriam e anteciparam que aconteceria e estimularam, para que acontecesse. Com o ‘levante’ nas ruas, as forças iranianas puderam abortar o complô e prender ou matar os principais comandantes golpistas.”

Construir toda a rede clandestina de insurgentes no Irã deve ter custado anos. Foi obra, provavelmente, da CIA em colaboração com os grupo/culto dos “Mujahedin do Povo do Irã” (persaMEK, Mujahedin-e Khalq).** Acredita-se que os militantes tenham sido coordenados, como os agitadores de rua em Hong Kong, via serviços de mensagens por Internet. Quando essas linhas de controle e comando foram bloqueadas, os serviços de segurança no Irã, como havíamos previsto, não tiveram problema para eliminar os grupos militantes.

Os EUA já tentaram de tudo contra o Irã, exceto guerra total, Mas os esquemas dos norte-americanos contra o Irã e amigos só fracassam, por todos os lados.

A campanha de pressão dos EUA contra o Irã foi item de uma conferência de imprensa no Departamento de Estado na 6ª-feira, quando Matt Lee, da Associated Press, contestou a frase de Schenker, secretário-assistente de Estado, que insistia em que a campanha estaria sendo ‘um sucesso’:

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: Os iranianos com frequência, e com certeza, no passado, adotaram ação agressiva quando se sentiram pressionados. Vemos isso na resposta, por exemplo, à campanha de pressão máxima já em ação há meses. Nos últimos cinco, seis meses, o Irã tornou-se cada vez mais agressivo. Há uma trajetória, certo, pela qual primeiro aumentaram o ritmo operacional dos Houthis contra os sauditas; depois subiram o tom da retórica e a temperatura no Iraque contra pessoal dos EUA; e passaram, de afundar barcos em Fujairah, para sequestrar barcos, depois derrubaram a tiros drones dos EUA em espaço aéreo internacional, e mais recentemente, Abqaiq, quando atacaram diretamente, com seus próprios mísseis, infraestrutura de petróleo dos saudita.

PERGUNTA: Então, o senhor parece estar sugerindo aqui, que a campanha de máxima pressão seria um sucesso, porque resultou em mais agressão iraniana e na derrubada de drones dos EUA.

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: Eu – não. 

PERGUNTA: Bem, é isso que…

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: Talvez seja o que você esteja inferindo.

PERGUNTA: Não, não, não. É que – não, não. Acho que o modo… 

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: A campanha de pressão está funcionando. Eles claramente estão pressionados e estão com medo, e estão cedendo. Também estão… 

PERGUNTA: Sim, mas, se isso é um sucesso, quer dizer… 

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: Também estão tendo crescimento negativo de dois dígitos.

PERGUNTA: Faz sentido.

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: O povo na rua protesta contra o regime, porque é corrupto e porque fracassou na gestão econômica… 

PERGUNTA: Sim, mas com certeza há…

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: … porque gastam todo o dinheiro do povo iraniano para sustentar milícias em outros países como em… 

PERGUNTA: Certamente a métrica para aferir o sucesso da política dos EUA, da política exterior em qualquer parte do mundo, não só no Irã, é que o país – o outro país torne-se menos agressivo, menos interessado em derrubar drones dos EUA ou atacar bases dos EUA ou ameaçar

SECRETÁRIO-ASSISTENTE DE ESTADO SCHENKER: Há – não, Matt, há, para sermos justos, há lá – essas coisas às vezes pioram antes de melhorar, nesses termos.

Os EUA bem visivelmente e com muita frequência superestimam as próprias capacidades para obrigar o Irã a se ajoelhar. Por mais que o PIB do Irã esteja em queda, porque as vendas de petróleo estão suspensas, a economia interna prospera e o emprego está em alta conforme as importações vão sendo substituídas pela produção local:

A subida do dólar traz grande mudança à estrutura dos preços no Irã, abrindo oportunidades substanciais para produção lucrativa em outros setores que não sejam o do petróleo que emprega 99% da força de trabalho. São os setores que ficam afogados em importações baratas, quando a renda do petróleo faz cair os preços.

Assim, na ordem inversa, e como ensinam os manuais de economia, quando a renda do petróleo cai e os preços de importados sobem, a demanda transfere-se, de bens importados, para o produto local, encorajando empresários a contratar trabalhadores e a expandir a produção. Por exemplo, no passado, visitantes no Irã teriam comprado uma caixa de cereais da Kellogg, porque o cereal tem melhor sabor que a marca iraniana e era só duas vezes mais cara. Mas no verão passado, com a desvalorização que fez os preços serem multiplicados por quatro ou cinco, eu decidi comprar a marca iraniana. Surpreendentemente, tinha muito melhor sabor, seja porque a qualidade melhorou seja porque, para Isfahanis, o preço faz o sabor!

A inflação no Irã, causada pelas sanções norte-americanas está caindo para níveis sustentáveis. O novo orçamento do governo está planejado para depender em menos de 10%, das vendas de petróleo:

Rouhani disse no Parlamento que o orçamento de 4,845 trilhões de rials, ou 36 bilhões de dólares ao câmbio das ruas, foi concebido para ajudar o povo iraniano a superar a dificuldade.

Rouhani disse que, apesar das sanções dos EUA, seu governo espera ganhar quase 455 trilhões de rials (3,4 bilhões de dólares) das exportações de petróleo.

Mas também disse que, ano que vem, a economia não-petróleo iraniana “será positiva”.

Assim sendo, ainda que Irã e aliados estejam sob pressão, absolutamente não estão sob risco de colapso. A narrativa israelense é fraudulenta.

Netanyahu pode querer uma guerra, no esforço para escapar da prisão. Mas a guerra não é popular nos EUA, e Trump não iniciará guerra em ano eleitoral.

Trump precisa é de algo que lhe permita retroceder dessa sua fracassada agressão ao Irã. Precisa poder conversar com o Irã – mas o Irã insiste que, para qualquer conversa, Trump deve, antes, levantar as sanções. Coisa que, me parece, ele só fará depois de reeleito.

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* O artigo pode ser lido, traduzido ao português, no Blog Bacurau: “Palco vicioso pró-guerra: agora, contra o Irã”, 9/12/2019, Alastair Crooke, de Strategic Culture Foundation [NTs].

** “Amplamente considerado um culto, o MEK já foi classificado como organização terrorista pelos EUA e pelo Reino Unido. Mas a ferrenha oposição que o grupo sempre fez ao governo do Irã valeu-lhe o apoio de figurões importantes do governo Trump, entre os quais o (ex-)conselheiro de Segurança Nacional John Bolton e o secretário de estado Mike Pompeo.” Mais sobre esse assunto, em The Guardian, 9/2/2018 (ing.) [NTs].

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